Cerca de 180 colombianos, entre eles mais de 20 crianças pequenas, estão acampados no mezanino do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, desde segunda-feira, à espera de um voo de repatriação. Em Brasileia, no Acre, peruanos e venezuelanos cansaram de esperar liberação na fronteira com a Bolívia e foram até a vizinha Assis Brasil para atravessar ilegalmente o Rio Acre rumo a Iñapari, no Peru. Situações semelhantes se repetem em Foz do Iguaçu (PR) e Pacaraima (RR).
As consequências da pandemia do coronavírus no Brasil estão levando milhares de cidadãos de países vizinhos, principalmente venezuelanos, que vieram em busca de uma vida melhor, a tentar voltar para seus locais de origem. Voos cancelados, barreiras sanitárias, fronteiras fechadas e a falta de dinheiro têm atrapalhado o retorno.
É o caso do topógrafo venezuelano Rui, de 52 anos. Ele saiu da Venezuela há dois anos fugindo da grave crise do governo Maduro e trabalhava como motorista em Araucária (PR). Demitido no início da pandemia, ele e a mulher, grávida de 6 meses, decidiram voltar para a Venezuela. “Lá não tem comida mas não pago contas de água e luz, tenho minha casa e minha família que vai nos acolher.”
O dinheiro, no entanto, foi suficiente apenas para o casal chegar a Porto Velho, onde foram acolhidos pela Igreja Católica e esperam ajuda financeira para completar o trajeto. “Meus parentes estão apavorados com as notícias sobre o coronavírus no Brasil. Meu maior medo é que minha mulher e meu filho que está para nascer sejam contaminados.” Quando chegarem em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, Rui e a mulher vão enfrentar novas dificuldades. “Encurralados é a única palavra que descreve a situação dessas pessoas”, disse o padre Jesus de Bombadilla, representante da Cáritas em Pacaraima.
Segundo ele, cerca de 3 mil venezuelanos continuam na cidade. A maioria vivia de trabalhos informais que se tornaram escassos com o início da pandemia e agora não consegue voltar. Os que conseguem são colocados em quarentena em um galpão construído do outro lado da fronteira. Maria (nome fictício), uma das que atravessaram a fronteira, disse ao Estadão que além das péssimas condições de alojamento, os repatriados são alvo de agressões verbais e humilhações por parte de militares venezuelanos. “Assim que coloquei os pés na Venezuela um soldado apontou o fuzil para a minha cabeça e me chamou de traidora.”
Terminal
Na segunda-feira, cerca de 50 colombianos chegaram ao Aeroporto de Guarulhos. Com malas, crianças e cobertores, eles tomaram conta de um dos recuos no mezanino de embarque do Terminal 2. Na terça-feira, quando a reportagem do Estadão esteve lá, eram 70, e ontem, 180, vindos de vários Estados. Eles esperam que o governo colombiano frete um avião para levá-los de volta para casa. “O aeroporto fez o que pôde, aumentamos a limpeza e a segurança, adaptamos as longarinas (bancos com divisórias) para que não dormissem no chão, mas esperamos que a embaixada ou o consulado da Colômbia tomem uma atitude”, disse o comandante Miguel Dau, diretor do aeroporto.
Entre os colombianos acampados em Guarulhos há residentes no Brasil que decidiram voltar para fugir dos efeitos econômicos e da alta incidência da doença. Na Colômbia, onde o governo tomou medidas duras de isolamento, como o toque recolher, 652 mortes haviam sido registradas até ontem.
“Parece que o presidente de vocês faz tudo ao contrário do que os médicos mandam fazer. Na Colômbia é mais seguro”, disse Nataly Cruz Perez, de 28 anos, espécie de porta-voz do grupo. Entre os colombianos também há turistas que vieram passar férias no Brasil e foram pegos pela pandemia, como Viviana Gallego, de 34 anos, que veio visitar o irmão em São Paulo com os filhos gêmeos Samantha e Emanuel, de 6 anos, e tinha passagem de volta marcada para 24 de março. “Os voos foram todos cancelados. Uma empresa de ônibus se ofereceu para nos levar, mas o consulado disse que não poderíamos entrar no país”, disse Viviana.
Muitos se revezam nos bancos ou em colchonetes para dormir. No espaço reservado pelo aeroporto, é impossível manter distanciamento. A prefeitura de Guarulhos sugeriu transferi-los a um albergue, mas eles recusaram. Enquanto isso, sobrevivem com doações. A comida é feita a cerca de dois quilômetros de distância, em um fogareiro improvisado em um terreno. Para tomar banho, alugam banheiros de um hotel ao lado do aeroporto, que fez desconto de 50% (R$ 25 por pessoa).
A reportagem procurou a Embaixada da Colômbia em Brasília e o consulado em São Paulo, mas até ontem não teve resposta sobre o que as autoridades do país vizinho pretendem fazer.
Paraná
Em Foz do Iguaçu, 29 famílias de venezuelanos estão em um abrigo da Igreja à espera de autorização para entrar na Argentina. Na quinta-feira um deles foi hospitalizado com queimaduras depois de um acidente ao tentar esquentar comida em um fogareiro cujo combustível era álcool em gel.
Em Assis Brasil (AC), cidade de apenas 5 mil habitantes na tríplice fronteira com Peru e Bolívia, cerca de 110 estrangeiros de diversas nacionalidades (peruanos, haitianos, senegaleses e venezuelanos) esperam autorização das autoridades peruanas. Muitos deles querem ir para o México. Até duas semanas atrás, eram mais de 300. Os que recebem autorização ficam de quarentena em um albergue do outro lado da fronteira.
É o que aconteceu com os 40 peruanos que saíram de ônibus de São Paulo, há duas semanas – ficaram três dias retidos na divisa entre Rondônia e o Acre e depois outros dois dias na fronteira.
Quando finalmente foram autorizados a atravessar, sete deles já estavam contaminados pelo coronavírus. “Nunca imaginei que um dia seria proibida de entrar no meu próprio país. Agora que entrei, me sinto culpada por trazer um vírus”, disse Juliana (nome fictício), uma das passageiras do ônibus.
O Ministério das Relações Exteriores foi procurado para comentar a situação dos cidadãos de países vizinhos que não conseguem voltar para os seus lugares de origem mas não respondeu às perguntas enviadas por e-mail.