O trabalho liberta

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Arbeit Macht Frei. “O trabalho liberta”. Essa era a frase de boas-vindas aos prisioneiros que se amontoavam em caminhões ao cruzarem os portões do novo campo de Auschwitz, na antiga região de Oswiecim (Polônia), em 20 de maio de 1940. Eles eram em sua maioria criminosos transferidos para aquele que seria referência entre os Campos de Concentração e, posteriormente, de extermínio, durante o domínio nazista.

Após os primeiros homens, outras incontáveis levas de prisioneiros chegaram: condenados por crimes, judeus de diversas nacionalidades, ciganos, homossexuais, professores, comunistas. Os olhares temerosos, incertos e amargos logo se tornavam sombras, sem nomes ou passados, convertendo-se rapidamente em janelas sem vida, opacas. Com os cabelos raspados e trajando uniformes listrados (as mulheres usavam roupas típicas de linhas de produção fabris), perdiam nomes, sobrenomes. Eram privados de sua individualidade e classificados por números no braço esquerdo. Uma enorme turba de fantasmas.

Amontoados em alojamentos minúsculos e mal alimentados, logo sucumbiam à inanição e adoeciam. Os que ainda resistiam eram usados para trabalhos insalubres, que nada tinham de libertador; pelo contrário, tornava o corpo combalido à prisão de um espírito humilhado e doente.

Auschwitz, assim como outros campos, logo se tornaria, em um processo que acelerou em 1942, um campo dedicado também ao extermínio. Uma solução rápida e quase invisível (ao menos, para os olhos daqueles que estavam cegos pelo fanatismo em servir ao Führer) para resolver a “Questão dos Judeus”. A cronologia de Auschwitz também abrange a expansão do horror por meio de filiais, tamanho o sucesso do campo-modelo: Auschwitz 2 em Brzezinka (também conhecido como complexo de Auschwitz-Birkenau), mais voltado ao extermínio em massa com câmaras de gás e crematórios em quatro construções imponentes; e Auschwitz 3, que, apesar de também ser usado para extermínio, tinha a configuração de um campo de trabalhos forçados.

O horror perdurou até janeiro de 1945. Os demônios que, naquela ocasião, trajavam uniformes já não tão imponentes assim, conduziam os parcos sobreviventes para o derradeiro fim nas câmaras de gás. Os que não conseguiam caminhar com as próprias pernas ao abraço da morte, eram sumariamente mortos. Um pedacinho do inferno cristão no coração da Europa Central.

Os olhos que miraram, pela primeira vez, os dizeres de boas-vindas em Auschwitz não existem mais. A esmagadora maioria que veio depois deles, também. Mas o recado continua lá. “O trabalho liberta”; de fato, há uma liberdade possível ao olharmos para essas letras talhadas em ferro. Quando compreendemos Auschwitz, e outros cenários de atrocidades (Plaszow, Dachau, etc.), também nos tornamos nus diante da capacidade quase infinita do homem em fazer o mal. Ao aceitarmos o mal que dorme em nós, ganhamos a chance (aí sim, libertadora) de escolher o caminho oposto.

Aqueles que não aprendem com seus erros passados não somente alimentam o mal em si, como fazem agonizar a mudança para o melhor.  

Paulo Stucchi é jornalista e psicanalista, divide seu tempo entre o trabalho de assessor de comunicação e sua paixão pela literatura, principalmente romances históricos

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