Na avaliação de economistas ouvidos pelo Estadão,
os impactos da pandemia do novo coronavírus no mercado de trabalho devem marcar
uma geração de brasileiros que já sofria com a recuperação acanhada dos
empregos após a recessão de 2015 e 2016 Em abril, a taxa de desocupação era de
12,6%, de acordo com dados da Pnad Contínua, do IBGE, mas as projeções são de
que deve chegar a 17% ou 18% até o fim do ano.
Quando a crise passar, o desafio será
impulsionar setores que geram mais emprego, como o de infraestrutura, em uma
realidade de consumo das famílias ainda reprimido e endividamento público
elevado.
Para Hélio Zylberstajn, professor sênior da
Universidade de São Paulo (USP), o governo precisa ser estratégico e aproveitar
as carências do País para promover setores geradores de emprego. Ele lembra
que, na quarta-feira, o Senado deve votar o novo marco regulatório do
saneamento básico, que pode destravar investimentos.
“Uma das grandes vantagens de ser um País
com tanta coisa a ser feita é poder vislumbrar saídas para o ano que vem,
quando se espera que a economia poderá começar a ser recuperada. O Brasil, se
tiver dirigentes com a cabeça no lugar, tem tudo para voltar a crescer. Mas é
preciso bom senso e confiança”, diz Zylberstajn
Planejamento
Segundo Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e técnico
do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), é preciso que o governo pense no dia seguinte à quarentena,
planejando ações e medidas para garantir a renda dos brasileiros sem emprego.
“Além disso, é preciso organizar
iniciativas públicas capazes de criar milhões de novas ocupações no curto
prazo. Caso seja mantida a dinâmica anêmica da economia brasileira observada
antes da crise, o País levará 20 anos para gerar os postos de trabalho
necessários para ocupar esse contingente de pessoas”, avalia Ganz Lúcio.
Para ele, mesmo assim é difícil imaginar o dia
seguinte, porque não se sabe quanto tempo vai ser preciso para vencer a crise.
“Podemos ter de conviver com isolamentos parciais, de tempos em tempos.
Por isso, será preciso uma reorganização da economia.”
Ele ressalta que o governo deveria parar de
semear crises e se mobilizar em torno de uma estratégia pela geração de
empregos, com investimentos e financiamentos de longo prazo. “É preciso
ter o Estado como indutor de investimentos em infraestrutura. Só que, enquanto
outros países trabalham para construir a saída, o governo brasileiro quer
voltar à agenda do ano passado. Como é possível, se o País não será o
mesmo?”
Para Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a recuperação do
emprego, pelo menos em um primeiro momento, se dará pelo mercado informal.
“Em outras crises, a volta do emprego acabou ocorrendo pelo mercado
informal e isso faz sentido – quem perde o emprego de carteira assinada vai
para a informalidade.
Para Balassiano, “esta crise atual tem
milhões de diferenças, mas a recuperação tende a se dar primeiro pelo trabalho sem
carteira assinada. O segundo passo a ser dado pelo governo é reforçar a ponte
de crédito para que empresas saudáveis consigam atravessar esse período”.
Ele lembra que, nos últimos sete anos, o Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro recuou, em média, 1,3% ao ano. “Algumas
pessoas acham que a economia pode ser ligada e desligada de uma hora para
outra. Não é assim. Mesmo depois que o pior passar, a recuperação será
lenta.”
Sobrevivência
Enquanto a crise não passa e as soluções ainda
se mostram distantes, os trabalhadores precisam descobrir como sobreviver à
pandemia. O representante comercial Gabriel Nascimento, de 29 anos, por
exemplo, conta que não foi apenas a queda na circulação de pessoas nas ruas por
conta das medidas de isolamento que fizeram a família deixar de vender
acessórios de moda para consumidores em São Paulo “O medo da covid-19
também pesou. É difícil ter de escolher entre pagar as contas ou ficar
doente.”
Criar emprego será o desafio no pós-crise
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