O Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otavio de Noronha, converteu a prisão preventiva decretada contra Fabrício Queiroz em prisão domiciliar com base na recomendação 62/20 do Conselho Nacional de Justiça.
A mencionada recomendação do CNJ, pautada na “declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 11 de março de 2020, assim como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, da mesma OMS, a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN veiculada pela Portaria no 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o previsto na Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus”, bem como o “alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde, entre outros, características inerentes ao “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347”, recomenda política de desencarceramento provisório ou definitivo de pessoas consideradas grupo de risco, que compreende “compreende pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções”.
A decisão do ministro Otavio Noronha, considerando a condição de saúde de Fabrício Queiroz, foi absolutamente acertada e consentânea à recomendação do Conselho Nacional de Justiça, bem como da esmagadora maioria dos infectologistas, virologistas e epidemiologistas do Brasil. No entanto, infelizmente este não foi o destino dado pela Corte Superior para dezenas de milhares de pedidos impetrados em favor de presos do medieval sistema carcerário brasileiro, tendo em vista o tratamento seletivo e diferenciado, fruto de uma perniciosa e tacanha política discriminatória que pauta a justiça brasileira.
Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos maiores criminalista da América Latina, destaca que a clientela do sistema penal é composta, de forma maciça, por homens adultos, jovens, pertencentes aos mais baixos níveis sociais e não brancos. São esses “clientes”, que mesmo fazendo jus a concessão da saída do sistema carcerário com base na recomendação 62/2020 do CNJ, tiveram indeferido seus pedidos pelo Superior Tribunal de Justiça.
A consequência desse tratamento antagônico se traduz no aumento vertiginoso e incontrolável de contaminados e de mortos pelo Covid-19 no sistema prisional. Por que esse tratamento dicotômico Senhores Ministros?
A mais cabal demonstração do tratamento dispare dado pelo Poder Judiciário está na fundamentação da extensão da prisão domiciliar para a companheira de Queiroz, Márcia Aguiar. O ministro Otavio Noronha estendeu para Marcia, que está foragida, por “presumir que sua presença ao lado dele seja recomendável para lhe dispensar as atenções necessárias, visto que, enquanto estiver sob prisão domiciliar, estará privado do contato de quaisquer outras pessoas (salvo de profissionais da saúde que lhe prestem assistência e de seus advogados)“. Será que as presas, mãe de menores e incapazes, que muitas vezes são envolvidas na prática delitiva, por exemplo no tráfico como mulas, para manter a família, não o mesmo posicionamento das Cortes para cuidar da sua prole?
Esse cenário me faz lembrar do saudoso José Saramago, na obra de “Da justiça à democracia, passando pelos sinos”:
“Ele não está aqui, fui eu quem tocou o sino,” respondeu o camponês. “Mas então, ninguém morreu?” insistiram os habitantes; o camponês respondeu novamente: “Não, ninguém que tivesse um nome ou a figura de uma pessoa, eu toquei o sino pela Justiça, porque a Justiça está morta”.
Infelizmente, a Justiça está morta para os menos afortunados, não para indivíduos como Fabrício Queiroz e sua trupe!
Marcelo Aith
advogado especialista em Direito Público e Direito Penal e professor convidado da Escola Paulista de Direito