A autorização concedida pelo governo
federal para que empresas demitam e recontratem funcionários em um prazo
inferior a 90 dias com possibilidade de redução salarial no segundo contrato
não deve – ao menos imediatamente – resultar em uma precarização do mercado de
trabalho, segundo especialistas ouvidos pelo ‘Estadão’.
Para que haja a recontratação com salário mais
baixo, a portaria assinada na terça-feira pelo secretário especial de
Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, determina que seja feita negociação
coletiva com o sindicato dos trabalhadores. O diretor técnico do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto
Júnior, diz ser improvável que os sindicatos deem aval para uma medida como
essa
“O prazo é curto para empresas adotarem a
medida”, diz ele. A portaria é retroativa a 20 de março e válida enquanto
durar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia, que, por enquanto,
se encerra em 31 de dezembro. “O maior risco da portaria é ela continuar
no pós-pandemia, estabelecendo um novo marco que autorize salário
rebaixado”, diz Augusto Júnior. Para ele, ainda que a portaria tenha duração
prolongada, a questão deverá gerar discussões na Justiça.
O diretor do Dieese vê, porém, a possibilidade
de que, para poderem ser recontratados, trabalhadores demitidos acabem
pressionando sindicatos a aceitarem a redução salarial. “Essa pode ser uma
armadilha”, diz ele, para quem, por ora, a maior preocupação está na
autorização para recontratação em prazo inferior a 90 dias sem modificação no
salário.
“Setores como comércio, em que a
rotatividade é alta, em vez de a empresa colocar o funcionário em suspensão de
contrato ou em redução de jornada (medidas autorizadas pelo governo por 90 dias
e agora prorrogadas por mais 30 dias), ela vai demitir e daqui a pouco
contratar de novo”, acrescenta.
Já para o economista Hélio Zylberstajn,
professor sênior da Universidade de São Paulo (USP), as empresas não deverão
demitir e recontratar trabalhadores por salários inferiores por causa dos
custos de rescisão contratual. Segundo seus cálculos, a estratégia só valeria a
pena se o corte na remuneração fosse superior a 50%. “Nessa caso, levaria
quatro meses para a empresa compensar os gastos da demissão. Dependendo da
economia que fizer na readmissão, pode levar até três anos para que haja
compensação.”
Zylberstajn diz que a portaria parece ser feita
mais para beneficiar empresas que já demitiram e que podem querer recontratar
seus funcionários antigos conforme a economia comece a se mover.
O economista Sergio Firpo, professor do Insper,
vê como positiva a possibilidade de que a empresa que, por ora, não consegue
manter a folha de pagamentos possa recontratar um funcionário rapidamente.
“Seria pior se a inflexibilidade fosse mantida e gerasse um número ainda
maior de desempregados.” Ele destaca que medidas que ajudam a manter o
vínculo entre empresas e funcionários são importantes também para não se
desperdiçar capital. “Tem muito que você aprende dentro de uma firma que
só pode ser usado ali. Quando se desfaz o vínculo, perde-se o investimento
feito por ambas as partes.”
O economista José Pastore, da USP, também não acredita
que possa haver uma precarização do trabalho e considera a portaria benéfica
para empresas e trabalhadores. “O sindicato estará na defesa do
trabalhador, e uma empresa que puder recontratar vai querer empregar quem já
conhece.”
‘Recontratar com salário mais baixo é improvável’
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