Com a flexibilização do isolamento social em várias
cidades do Brasil, as empresas começam a se movimentar para a volta do trabalho
presencial. No entanto, a medida ainda é considerada prematura por parte dos
funcionários, que se dividem entre o medo de um possível contágio e o receio de
se recusar a voltar e acabar perdendo o emprego.
Na hora de voltar ao escritório, entre os que
não querem deixar o home office para trás, as justificativas passam pela
simpatia com o trabalho remoto, mas vão muito além. Há dois tipos de
dificuldades: as técnicas, como por exemplo não ter com quem deixar os filhos,
uma vez que as escolas ainda não voltaram, e as emocionais, como o medo de ser
contaminado.
Uma pesquisa realizada pela consultoria de
recursos humanos Adecco, a pedido do Estadão, constatou que, entre
os 4 244 ouvidos, 55,68% gostariam de voltar ao trabalho presencial. Os demais
se dividem entre os que não querem voltar por medo de contrair o novo
coronavírus (7,70%), os que não querem voltar porque se adaptaram ao home
office (7,12%), os que não quiseram voltar, mas foram obrigados (1,04%) e os
que voltariam, mas com jornada reduzida e em dias alternados (28,46%).
O perfil de mais da metade dos ouvidos é de
funcionários de baixo escalão, de cargos como operadores e analistas, e que
atuam nas áreas de atendimento e administração.
“Muitos questionamentos sobre o home office
foram esclarecidos por todas as empresas e, a partir de agora, certamente fará
parte de sua rotina. Isso porque os colaboradores ficarão mais exigentes quanto
às políticas de flexibilização, e isso passará a ser levado em consideração
como benefício e atrativo para os processos seletivos”, destaca a gerente
de recursos humanos da Adecco, Lucia Santos.
Dados levantados pelo Linkedin no último mês
apontam a preocupação dos funcionários com a volta ao trabalho presencial.
Segundo o levantamento feito com 1.261 pessoas, enquanto 22% dos ouvidos
afirmam que irão voltar ao trabalho voluntariamente assim que for permitido,
13% disseram que voltarão porque se sentem obrigados a fazê-lo. Já 14% afirmam
que continuarão a trabalhar remotamente enquanto não se sentirem seguros de
estarem perto de outras pessoas.
Grandes empresas
Segundo a pesquisa, a pressão para voltar ao
trabalho presencial é maior entre os funcionários de grandes empresas, entre os
millennials (nascidos entre a década de 80 e começo dos anos 2000) e os baby
boomers (nascidos entre os anos de 1946 e 1964)
Entre os ouvidos, 57% dizem temer a exposição a
outras pessoas que não levam a sério as diretrizes de segurança.
Apesar das diferentes percepções dos
colaboradores, há empresas que determinaram a volta obrigatória, sem considerar
as necessidades e receios de quem faz o negócio acontecer.
Funcionária de uma empresa de tecnologia da
informação em Belo Horizonte, P.L. recebeu a notícia de que terá que voltar a
trabalhar presencialmente a partir de agosto (alguns dos entrevistados não
quiseram ser identificados por receio de retaliação e de perder o emprego).
Além de ser considerada grupo de risco por
possuir problemas respiratórios, ela explica que não se sente à vontade para
deixar o isolamento social.
“Meu medo é sair de casa. Eu posso ir de
transporte particular ou a pé, mas tenho muito medo do ambiente da empresa. É
prédio, tudo fechado e tem ar condicionado, então a janela não abre. Não é toda
a equipe que vai voltar, mas umas 70 pessoas vão. Só no meu time são 22 e, pelo
que eu acompanhei, nem metade fez a quarentena. Muita gente viveu a vida
normalmente, saindo, fazendo churrasco.”
P.L. ainda tenta negociar com a empresa a
suspensão do retorno. “Durante o período em que ficamos em home office –
desde o fim de março -, a empresa teve o segundo melhor resultado da sua
história. Mas o presidente diz que a economia precisa girar e, como a empresa
fica próxima a um shopping e ele voltará a abrir, ele diz que não adianta as
lojas estarem abertas e não terem clientes”, conta.
A funcionária diz que se identificou com um
termo que ficou popular durante a pandemia, a “síndrome da cabana”,
também conhecida como fear of going out – em português, o medo de sair. A
psicóloga Luciene Bandeira, da clínica Psicologia Viva, explica que são
denominações antigas, mas que ficaram em evidência por causa do isolamento
social.
“São síndromes que ocorriam com pessoas que
iam caçar e ficavam na cabana presos por causa do inverno rigoroso. Quando a
neve ia embora e eles podiam sair, não queriam mais, já estavam muito
adaptados. Isso acontecia com pessoas que trabalhavam em faróis, com quem
ficava em missões em submarinos. Só que está relacionada agora ao momento que
estamos vivendo”, explica ela. “Não é um transtorno, é uma síndrome,
ou seja, conjunto de sintomas que gera uma desordem, como ansiedade e
fobia”, continua a psicóloga.
O medo de P.L. em relação ao convívio com
colegas de trabalho que não fizeram o isolamento social também é explicado pela
profissional. “A nossa geração não passou por nada parecido com isso,
estamos vivendo o desconhecido, período de grandes incertezas. Como muitas
pessoas não fizeram o isolamento voluntário (excluídas as que foram obrigadas a
trabalhar), é por causa do comportamento desse grupo que pessoas mais
sensíveis, que já têm quadro de medo e ansiedade, se sentem mais inseguras
“
Volta ao trabalho nos escritórios é considerada prematura por funcionários
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