Apenas um em cada três profissionais de saúde foi testado para covid-19, de acordo com levantamento divulgado pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), da Fundação Getulio Vargas (FGV). Embora as categorias da área estejam expostas, diariamente, a um alto risco de contágio da doença, somente metade dos funcionários recebeu equipamentos de proteção individual (EPI) para desenvolver suas atividades, no mês passado.
Os EPI faltaram, sobretudo, entre agentes comunitários de saúde e os agentes de endemia. Em junho, apenas 32% deles receberam esse tipo de item, por iniciativa dos respectivos empregadores. O índice está somente um pouco acima do registrado em abril, de 19,65%.
Os apontamentos foram elaborados com base em uma segunda devolutiva do estudo A Pandemia de Covid-19 e os Profissionais de Saúde Pública no Brasil. O levantamento ouviu 2.138 profissionais da saúde pública, de todos os níveis de atenção e regiões do país, entre os dias 15 de junho e 1º de julho.
A amostragem é composta por 40% de agentes comunitários e agentes de controle de endemia, 20,8% de profissionais de enfermagem, 14,7% de médicos e 23,8% de outros profissionais do segmento.
A primeira fase do estudo, realizada em abril, foi costurada a partir da percepção de 1.456 trabalhadores. Além de ampliar o número de entrevistados, os pesquisadores buscaram investigar aspectos relativos a saúde mental, assédio moral e testagem dos profissionais.
Capacitação e medo
Pelas respostas enviadas através de formulário, constata-se que os trabalhadores que tiveram treinamento para aperfeiçoar o atendimento durante a crise sanitária são minoria, a exemplo do que ocorreu em relação à testagem. A proporção dos profissionais que tiveram acesso a uma capacitação específica sobre atendimento durante a pandemia subiu de 21,91% para 32,2%, entre abril e junho. No cômputo, foram considerados médicos e técnicos de enfermagem.
Tais números podem ser relacionados a outro índice: o que mensura o nível de temor quanto à covid-19. Ao todo, 89% de agentes comunitários de saúde e agentes de combate à endemia reconheceram sentir medo da doença, mesmo sentimento compartilhado por 83% dos profissionais da enfermagem, 79% dos médicos e 86% de demais profissionais da área de saúde.
A preocupação é justificada não só pelo contexto geral, mas porque sentem que a infecção se avizinha, já que 80% dos entrevistados declararam ter ao menos um colega contaminado pelo novo coronavírus nessa segunda fase da pesquisa. Anteriormente, esta parcela era de 55%.
No que concerne à atuação do governo federal, a avaliação piorou. Em abril, 67% diziam não sentir que tal esfera do poder público os apoia, parcela que aumentou para 78% em junho. A insatisfação é superior à observada quanto à falta de suporte do governo municipal, que foi de 58%.
Saúde mental
Outros aspectos abordados foram o assédio moral e o comprometimento da saúde mental, que atingem, respectivamente, 30% e 78,2% dos profissionais consultados pela FGV. Mesmo diante dos problemas, somente um quinto (20%) afirmou ter recebido algum tipo de apoio do estado para enfrentá-los.
A confluência de fatores destacados pelos profissionais, que, majoritariamente (95%) teve sua rotina alterada, ajuda a explicar por que 70% deles não se sentem preparados para lidar com a pandemia. Na primeira fase da pesquisa, o índice era 64,97%.
Conforme explica a coordenadora da pesquisa, Gabriela Lotta, a omissão das autoridades governamentais “cria uma situação muito tensa de trabalho, na qual prevalecem o medo e o sentimento de despreparo”. Como consequência disso, acrescenta a especialista, surge um aumento dos casos de transtorno mental, adoecimento, afastamento do trabalho e até morte.