Mesmo que o estudo de desafio humano não seja realizado, cientistas e governos terão de lidar com outros dilemas éticos no desenvolvimento e distribuição de uma vacina para a covid-19. Entre os principais estão a cautela com os resultados das pesquisas e o dilema da escolha de quais grupos devem ser vacinados inicialmente.
Quanto ao primeiro ponto, especialistas alertam
sobre os riscos de acelerar as pesquisas de uma vacina. Em situações normais,
um estudo de fase 3 tem duração mínima de um ano justamente para que os
cientistas tenham tempo para observar a resposta imune e eventuais eventos
adversos.
No caso de imunizantes em teste para a covid,
como as vacinas de Oxford e da chinesa Sinovac, pesquisadores estimam que elas
possam estar licenciadas menos de seis meses após o início da fase 3.
“Por mais que, neste momento, a gente
queira que os processos regulatórios sejam acelerados, temos de considerar que
estamos lidando com um ser humano e é necessário um tempo para ver a resposta
dessas pessoas e se elas não terão nenhum efeito a longo prazo”, diz
Juliana Santoro, diretora educacional da Associação Brasileira de Organizações
Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro).
Quanto à escolha dos grupos prioritários para
receber as primeiras doses da vacina, é recomendável que os dados
epidemiológicos sobre a letalidade no Brasil sejam usados como base para
definir que indivíduos serão vacinados primeiro.
“Em um cenário desfavorável, em que
inicialmente não teremos doses para toda a população de risco, precisaremos ter
uma política clara de priorização acompanhada de uma campanha de comunicação
transparente com a população, para que ela entenda por que estão sendo
priorizados alguns grupos”, comenta a epidemiologista Carla Domingues,
ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Para isso, ressalta a especialista, é preciso
que as decisões do Ministério da Saúde tenham respaldo das sociedades médicas
científicas, que devem participar da discussão e assessorar o órgão na
definição dos grupos prioritários, como já ocorre em outras campanhas de
vacinação, como a da gripe.