O Ministério da Saúde
discute a inclusão de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 no
rol de produtos fornecidos gratuitamente ou com desconto de até 90% pelo
Programa Farmácia Popular. Segundo documentos obtidos pelo Estadão,
desde o começo de julho a pasta faz estudos sobre a “viabilidade
econômica” de distribuir sulfato de hidroxicloroquina 400 mg, ivermectina
6 mg e azitromicina 500 mg para contaminados pelo vírus, que já matou 120 mil
pessoas no País.
Se confirmada a mudança, esses medicamentos
passam a ser subsidiados pelo programa, que tem orçamento de R$ 2,5 bilhões
para este ano. A cifra, hoje, é destinada a reembolsar farmácias credenciadas
em cerca de 80% dos municípios do País pela venda de 35 produtos. São 20
fármacos gratuitos, como os de diabete e hipertensão. Os descontos também se
aplicam a contraceptivos e fraldas geriátricas. Segundo a tabela de preços
definida pelo governo federal, custa R$ 25 cada caixa com dez comprimidos de
sulfato de hidroxicloroquina 400 mg, medicamento indicado na bula para artrite
reumatoide, lúpus e malária. Já dez comprimidos do antibiótico azitromicina 500
mg valem R$ 35. Enquanto caixas com dois comprimidos do vermífugo ivermectina 6
mg custam R$ 15. Os valores consideraram alíquotas de ICMS cobradas em São
Paulo.
Mesmo sem eficácia comprovada, as drogas viraram
aposta do presidente Jair Bolsonaro na estratégia de resposta à pandemia no
Brasil. Dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich)
deixaram o governo, entre outros motivos, por divergências com o presidente
sobre a prescrição desses medicamentos.
Na gestão interina do general Eduardo Pazuello,
que começou em maio, o Ministério da Saúde mudou radicalmente de discurso e
atendeu aos pedidos de Bolsonaro. A pasta passou a recomendar o uso destes
remédios desde os primeiros sintomas da covid-19, contrariando orientações de
entidades médicas e científicas, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). O
próprio Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, disseram ter se tratado com os
medicamentos.
Fim do programa
As discussões ocorrem no mesmo momento em que a
equipe econômica estuda proposta para extinguir o Farmácia Popular para tirar
do papel o Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família.
Como revelou o Estadão, a equipe
econômica considera o programa do Ministério da Saúde ineficiente por
contemplar todas as pessoas, independentemente da renda. Segundo dados do
governo, mais de 21,3 milhões de pacientes foram atendidos pelo Farmácia
Popular em 2019. “Evidências demonstraram que o programa reduziu as
internações hospitalares e mortalidade em relação à hipertensão e
diabete”, afirma o ministério no Plano Nacional de Saúde, que orienta
ações da pasta até 2023.
A portaria do Ministério da Saúde para alterar o
rol de produtos do programa está pronta, segundo afirmou ao Estadão um
integrante do governo que acompanha a discussão. O processo está marcado como
sigiloso no sistema da pasta por conter “informação pessoal”.
Para embasar a inclusão dos medicamentos no
Farmácia Popular, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
(SCTIE) do ministério, Hélio Angotti Neto, pediu a auxiliares, ainda no começo
de julho, estimativas de quantos pacientes da covid-19 devem ser tratados em
2020 e 2021. Em outro ofício, o mesmo secretário também solicitou à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acesso a banco de dados de relatórios
de comercialização desses medicamentos. “Ressaltamos que as informações
são fundamentais para previsão de impacto orçamentário para oferta por meio de
ações ou programas da assistência farmacêutica”, afirmou Neto.
Filosofia
Para Paulo Lotufo, professor de epidemiologia da
Universidade de São Paulo, a inclusão fere a “filosofia” do Farmácia
Popular. “O grande objetivo com o programa é reduzir o impacto em
internações e mortes por doenças crônicas, como hipertensão, diabete e asma.
Não tem o mínimo sentido fazer a inclusão de algo que ainda está sobrando,
sendo distribuído a rodo”, afirmou Procurado, o ministério afirmou que
adota ações “para o enfrentamento da pandemia” e “toda e
qualquer medida a ser adotada será oportunamente comunicada”.
Farmácia popular pode ter cloroquina
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