A
pandemia do novo coronavírus afetou as empresas brasileiras de duas maneiras.
De um lado, a maior parte dos setores viu um forte freio na atividade, que se
refletiu em uma retração recorde de 9,7% no Produto Interno Bruto (PIB) no
segundo trimestre. De outro, o teste forçado do trabalho remoto por causa dos
decretos de isolamento social mostrou que o home office pode ser adotado em
larga escala. Os dois fatores agora pressionam – e muito – o mercado de
escritórios corporativos de São Paulo, colocando fim a um cenário de
recuperação que se desenhava no início do ano.
De acordo com a multinacional americana JLL,
especializada em imóveis corporativos, o total de escritórios desocupados
estava em um patamar que não se via desde o início da década passada – 13,6% –
e o segmento esperava um cenário bastante positivo para 2020, com alta na
demanda e nos valores de aluguéis. Com pandemia, a perspectiva mudou: a taxa de
imóveis disponíveis projetada para dezembro é de 20,9% – uma alta superior a
50% em nove meses.
E o resultado só não é pior, passando de 25% de
disponibilidade, porque o setor imobiliário segurou boa parte das entregas de
edifícios deste ano. Além disso, o período de isolamento social foi mais longo
do que o esperado. Por isso, só agora muitas empresas estão fazendo as contas
para saber, afinal, quantos metros quadrados serão suficientes para uma operação
que inclua a adoção mais permanente do home office.
Para a diretora da área de transações da JLL,
Mônica Lee, a demora de retorno ao trabalho presencial empurrou para 2021 pelo
menos um quarto das devoluções previstas para os próximos meses. No ano que
vem, os dados do setor devem ser influenciados também por inaugurações. “O
fato é que a situação das empresas ficou mais difícil. E, sem dúvida, muitas
delas estão reavaliando os custos com escritórios”, afirma.
Segundo pesquisa da KPMG, um número crescente de
empresas só pretende voltar ao escritório em 2021. O movimento foi anunciado
por empresas do setor financeiro, como a XP, e por gigantes de tecnologia, como
o Google. A lista de grandes negócios que estão revendo sua ocupação é longa:
inclui o Banco do Brasil, que vai devolver 38% dos escritórios que hoje ocupa;
o Itaú, que faz um estudo sobre o tema; e o laboratório Fleury, que decidiu
concentrar toda a operação de São Paulo em um edifício a ser inaugurado em 2022
e vai apostar fortemente no home office.
A movimentação mais visível é a dos grandes
negócios – mas eles estão longe de estar sozinhos ao tentar decifrar como será
o escritório do futuro. O comportamento das empresas de serviços, que têm
gastos com pessoal e aluguel como principais custos, está levando a cortes até
mais radicais do que o das gigantes nacionais.
O escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, do
Rio de Janeiro, decidiu fechar a unidade de São Paulo. “A gente ocupava um
latifúndio. Eram 400 m² para uma equipe de dez pessoas”, explica o sócio
que atua na operação paulistana, Lucas Leite Marques. Resultado: agora o time
todo trabalha de casa, e a empresa eliminou cerca de 60% de seus custos em São
Paulo. “Queremos agora repensar, talvez ter salas em diferentes pontos da
cidade – vamos olhar opções mais flexíveis”, diz.
Segundo advogados consultados pelo Estadão,
a não ser no caso de prédios construídos sob medida para grandes companhias, o
custo de trocar de escritório é relativamente baixo. Valem mais ou menos as
mesmas regras de uma locação residencial: quanto mais perto do fim do contrato,
menor é a multa de saída. Diante do potencial da economia envolvida, dizem
especialistas, não se trata de um custo impeditivo à mudança.
Apesar de o cenário para o mercado de
escritórios ser negativo, o executivo André Freitas, da Hedge Investments, que
administra R$ 6 bilhões em fundos imobiliários, acredita na força de imóveis
corporativos “triple A” (altíssimo padrão). “A valorização real
de 50% que a gente previa nos próximos cinco anos não vai mais acontecer. Isso
talvez caia a 20% ou 30%.”
Empresas ampliam home-office e repensam
custos
Não é difícil encontrar empresas que estão
repensando a relação com o espaço corporativo. No laboratório Fleury, a ordem é
unir operações que hoje estão espalhadas por São Paulo. A companhia está
construindo um novo edifício de 12 andares na da capital paulista, que deverá
ficar pronto em 2022. Muitos dos trabalhadores da empresa, porém, sequer
chegarão a colocar os pés na nova sede
Isso porque a adoção do home office pela área
administrativa do Fleury, que hoje reúne 1,4 mil trabalhadores, será intensa:
30% dos trabalhadores trabalharão em tempo integral de suas próprias
residências. E os 70% restantes deverão ir ao escritório de duas a três vezes por
semana. Com a pandemia, a nova sede já passou por uma revisão. O espaço das
mesas individuais foi reduzido para 20% da ocupação total, segundo o diretor
executivo de pessoas e sustentabilidade, Eduardo Marques.
Como a empresa prevê crescimento de seus laboratórios
nos próximos dois anos, o executivo diz que é bem provável que, ao longo do
tempo, um porcentual cada vez maior da área ocupada por funções de apoio (mais
adaptáveis ao home office) seja cedido à central de análises de exame, que
exige um espaço corporativo controlado.
Tecnologia
O escritório Moraes Pitombo Advogados reduziu
drasticamente seu espaço em São Paulo: trocou um imóvel de 1 mil m² na Vila
Olímpia por um de 270 m² na Faria Lima. A adoção do home office, que era
ocasional, fará parte do dia a dia. “Fizemos uma pesquisa, e 85% dos
funcionários disseram querer trabalhar em casa”, conta o sócio Antônio
Pitombo.
A economia com a mudança – que será de 66% –
será revertida a outras áreas. “Estamos formatando uma biblioteca digital,
investindo em segurança da informação e tecnologia. Troquei custo por
investimento.”
Cada vez mais adiamentos
Com o controle da pandemia de covid-19 ainda
distante, a volta aos escritórios no mundo corporativo está ficando para
depois, mostra uma pesquisa da consultoria KPMG. Um quarto (26%) dos
empresários entrevistados entre junho e julho acredita que a volta aos
escritórios ficará mesmo para 2021. Na primeira edição do levantamento (abril e
maio), apenas 9% apostavam numa volta só em 2021.
Na última semana, a diretoria da Dafiti, loja
online de vestuário, tomou a decisão de marcar a volta aos escritórios apenas
para o ano que vem. Até então, os cerca de mil funcionários colocados em home
office – de um total de 2,8 mil – vinham sendo informados aos poucos sobre a
continuidade do trabalho remoto.
Segundo Eduarda Perovano, diretora de recursos
humanos, foram dois motivos principais para o adiamento: o home office está
funcionando e houve adesão dos funcionários. Uma pesquisa interna mostrou que
90% deles se sentem confortáveis trabalhando de casa.
Devoluções de escritórios crescem na pandemia e devem se estender por 2021
- PUBLICIDADE -