Não é só em praias, bares e transporte público que
se vê aglomeração. Basta colocar o pé para fora de casa para entender o porquê:
as calçadas são estreitas e, via de regra, com manutenção inadequada e
frequentes obstáculos, tornando em algumas áreas da cidade o distanciamento
social quase impraticável.
Na capital paulista, levantamentos recentes
evidenciam essa situação. Um deles é o Largura do Passeio, inspirado em um
projeto nova-iorquino, que utilizou dados da plataforma municipal Geosampa para
concluir que apenas 2,7% das calçadas permitem o distanciamento social, o que
significa uma largura de ao menos 4,5 metros, o que considera deslocamentos nos
dois sentidos simultaneamente.
“O mapa mostra uma discrepância na
qualidade das calçadas, principalmente na periferia”, diz ao Estadão o
idealizador do projeto, o estudante de Arquitetura e Urbanismo Conrado Freire.
O mapeamento, aponta que 72% dos passeios têm largura de até 1,8 metro e que a
concentração dos mais estreitos se dá nas áreas periféricas da cidade.
As próprias regras da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT), anteriores à pandemia do novo coronavírus, não permitem
distanciamento, pois preveem um mínimo de 1,2 metro de área livre. Em ruas mais
movimentadas e onde há pontos de ônibus, o resultado são pequenas aglomerações.
Para especialistas, a pandemia potencializou os
deslocamentos a pé, dando ainda mais importância à discussão da questão das
calçadas. “O asfalto é muito mais bem cuidado do que a calçada nas cidades
brasileiras”, lamenta Leticia Sabino, fundadora da organização Sampapé.
“A pandemia trouxe novos argumentos para discutir as calçadas, que
precisam ser revistas, com certeza.”
Assim como a largura, ela cita a necessidade de
transformar os passeios em espaços mais convidativos e agradáveis, com a
presença de árvores. E defende a implementação de mobiliário urbano, como
bancos e lixeiras, o uso de materiais e técnicas drenantes e a acessibilidade.
Outros dados sobre a situação na capital
paulista são de uma pesquisa do Ibope Inteligência com a Rede Nossa São Paulo
de abril de 2019, na qual 86% dos entrevistados apontam a falta de estrutura
das calçadas como o principal “incômodo” para andar a pé. Entre as
reclamações, as mais citadas foram: buracos (68%), irregularidades, degraus,
rampas e falta de continuidade (53%) e dimensões estreitas (47%).
Doutora em Mobilidade Ativa, a urbanista Meli
Malatesta destaca a frequente presença de obstáculos nos percursos, como rampas
de garagem. “Isso torna as calçadas inacessíveis a pessoas com
deficiência, idosas, com carrinho de bebê”, diz. “A lei diz não é
para ter degrau. Então, por que as pessoas ficam à vontade para fazer na
calçada?”
Embora seja uma infração, esse tipo de
interferência é comumente feita em São Paulo e nem sempre recebe atenção da
fiscalização. “A calçada é a pior parceria público-privada que existe,
porque ninguém faz a sua parte”, lamenta. “É considerada algo
secundário, não se dá a importância que merece. Mas é a mais importante, toda
viagem que a gente faz começa e termina em um deslocamento a pé.”
Para a urbanista, o ideal seria que as calçadas
fossem de responsabilidade das prefeituras, assim como ocorre com as pistas de
veículos. Na prática, contudo, ela acha que é uma transformação difícil e
defende maior atualização da fiscalização e conscientização da população sobre
as normas de largura, área livre e outros elementos.
Em tempos de pandemia, passeios com boa
conservação podem contribuir para desafogar outros modais, acredita Malatesta.
“Se você tem uma calçada decente, consegue fazer uma viagem de três
quilômetros caminhando, que leva mais ou menos uma hora. Com isso, tira viagens
do transporte coletivo.”
Reformas
Parte das sugestões apontadas por especialistas
não foram, contudo, incorporadas ao Plano Emergencial de Calçadas da Prefeitura
de São Paulo, que recebe críticas por aplicar um material impermeável (cimento)
e não aumentar a presença de vegetação.
Além disso, a ação não prevê alargamento dos
passeios públicos, cuja largura indicada na cidade é de 1,90 metro, com área
livre de ao menos 1,2 metro. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), o objetivo é
reformar 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas até o fim deste ano, com
custo de R$ 200 milhões.
Estreitas e esburacadas, calçadas de SP dificultam distanciamento social
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