Mais de seis meses após o fechamento das escolas
pela pandemia de covid-19, 3.275 municípios brasileiros ainda não veem
condições sanitárias para retomar as aulas presenciais na rede básica de ensino
neste ano. O número equivale a 82% das prefeituras consultadas em pesquisa da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), obtida com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
A CNM ainda levantou a situação das escolas em
96 países. Segundo a entidade, 38 estão com as escolas abertas, 33 com as
escolas parcialmente abertas e 25 permanecem com colégios fechados. O
presidente da entidade, Glademir Aroldi, argumenta que o cenário no Brasil é
complexo porque, mesmo com investimento em equipamentos de proteção, o desafio
envolve permanência dos alunos dentro da sala por um número elevado de horas,
risco de aglomeração no transporte e maior exposição de estudante e famílias.
Segundo ele, mesmo cidades que já reduziram as
restrições de circulação para estabelecimentos comerciais entendem ainda não
ser seguro retomar as aulas. “Na flexibilização de um bar, vai a um bar
quem acha que pode ir. Na escola, quando abrir, você faz com que os alunos
acabem frequentando, permaneçam por um período longo e voltem para a casa,
convivam com pais, avós. É uma situação mais complexa. Em algumas regiões,
precisa do ar-condicionado ligado o tempo todo. E não é só aula, é o transporte
escolar, acaba envolvendo alunos dentro de um mesmo veículo”, diz o
presidente da CNM. “Não é uma questão de omissão, mas sim de avaliação e
de responsabilidade de decisão “
Apenas 677 municípios afirmaram ter condições de
reabrir as instituições ainda este ano, desde que haja indicação nesse sentido
por parte de autoridades sanitárias e de saúde diante do menor contágio, ou
ainda oferta de vacina que permita o retorno com segurança. A pandemia já
vitimou mais de 150 mil brasileiros O País registra mais de 5,1 milhões de casos.
A CNM ouviu 3.988 municípios (71,6% do total),
onde estão 31,4 milhões de estudantes da educação básica. Desse total, 14,6
milhões de alunos são atendidos pela rede municipal. A pesquisa questionou
gestores sobre a reabertura de escolas de qualquer tipo, públicas ou privadas.
Segundo os técnicos da CNM, na maior parte dos casos a decisão tem sido
delegada aos gestores locais, para que haja avaliação mais precisa sobre a
evolução da curva de contaminação e de mortes por covid-19.
Preocupação
A retomada das aulas é um dos principais pontos
de preocupação na retomada gradual das atividades no pós-pandemia. De um lado,
há a preocupação em evitar reaceleração do contágio pela doença. De outro,
existe o temor de que os alunos fora da sala de aula fiquem prejudicados de
forma permanente, afetando toda uma geração.
A maior parte dos municípios ofereceu atividades
remotas para tentar compensar o fechamento das escolas. No entanto, o próprio
presidente da CNM chama a atenção para a ausência de internet por fibra em
1.558 municípios – nesses locais, o acesso é feito por outras modalidades, como
satélite ou antena, com sinal mais precário. “Há dificuldade no ensino a
distância. Ainda na questão social, muitas famílias não têm condição para
compra de equipamentos. Isso ficou escancarado por causa dessa crise”,
afirma Aroldi. Ele reconhece que será preciso investir em educação para dar
suporte aos alunos e tentar neutralizar a diferença entre estudantes com e sem
acesso a equipamentos e infraestrutura, que foi acentuada pela pandemia.
Apesar dessas dificuldades, o presidente da
entidade rebate críticas feitas a prefeitos que relutam em reabrir escolas e
nega qualquer interesse eleitoreiro. Aroldi cita dois elementos que, segundo
ele, reforçam a decisão dos municípios: a resistência dos próprios pais em
enviar seus filhos para a escola e os constantes adiamentos anunciados por
prefeituras que têm planos de retomada de aulas – na terça, a Prefeitura de São
Paulo adiou a decisão sobre autorizar a volta às aulas em 3 de novembro.
“Não dá para tachar o prefeito de
irresponsável. O tema é complexo e tem enorme dificuldade. Se fosse algo tão
simples, o mundo já teria resolvido. O que há é muita dúvida e insegurança. Os
recursos repassados a municípios estão ajudando, mas não são suficientes. Não
tem fórmula mágica”, afirma Aroldi.
Pelo mundo
Na Europa, segundo dados do dia 9 de outubro, de
23 países analisados, 14 (61%) estão com as escolas abertas, 6 (26%) com
funcionamento parcial e 3 (13%) fechadas. Nos Estados Unidos, as escolas estão
parcialmente abertas (em algumas localidades) – a maioria dos Estados, porém,
manteve o fechamento até o fim do ano acadêmico.
Na América do Sul, dos 9 países analisados,
apenas o Uruguai retornou às aulas presenciais. Outros três – Colômbia, Equador
e Venezuela – estão com propostas para retorno às aulas presenciais de maneira
gradual. Argentina e Chile autorizaram a abertura de escolas em algumas regiões
específicas. Bolívia, Paraguai e Peru já decretaram que as aulas presenciais
não retornarão neste ano.
Sem confiança
Para Fernando Cássio, cientista e professor de
políticas educacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), o resultado da
pesquisa não surpreende. “A população não confia na capacidade do Estado
de garantir o retorno. Eu falo de escolas estaduais, mas isso também serve para
os mantenedores de particulares. E por que essa população não confia? Porque
ela não vê ações. As condições para um retorno seguro são de dois tipos:
objetivas, ou seja controle da pandemia, adequação dos prédios escolares,
preparo das equipes, contratação de profissionais; e as subjetivas, que incluem
a sensação de segurança da população”, diz. “As pessoas tem de botar
fé que elas vão mandar os filhos para as escolas e eles não vão carregar o
vírus para dentro de casa.”
Ele observa ainda que, para conseguir essa
sensação de segurança, já era necessário estar trabalhando nisso há algum
tempo. “É uma falência da capacidade do Estado de passar segurança para a
população. Você não vai produzir segurança para voltar em novembro.”
Ivan Gontijo, coordenador de projetos do Todos
Pela Educação, defende também que, mesmo que o prefeito decida não retornar com
as aulas em 2020, é importante que as Secretarias de Educação estejam
debruçadas na questão. “Mesmo que a gente não saiba como, tem de planejar
muito bem esse momento. Todos os protocolos de segurança, readequação, já
montar os programas de recuperação e informar os professores e diretores o que
estão pensando para esse retorno.”
Gontijo ainda considera relevante a questão das
eleições. “Muitos prefeitos não estão querendo discutir o retorno às aulas
porque é uma questão espinhosa, polêmica, que divide de certa forma a
sociedade. Estão postergando essa decisão para 2021 para os novos eleitos,
novas gestões.”
Segundo ele, mesmo que ainda não tenha uma data,
“não vai dar para o prefeito que assumir em 2021, em janeiro, ter de abrir
as escolas em fevereiro sem ter pensado num plano antes com algum grau de
profundidade e cautela”. O coordenador também acredita que é necessário
apoio estadual e federal para que haja essa retomada segura.
Oito em cada dez municípios não veem condições para retomar aulas presenciais
- PUBLICIDADE -