Monitoramento na Mata Atlântica busca salvar onça-pintada

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As onças-pintadas, antas e queixadas da Serra do Mar vão participar de um dos maiores monitoramentos de mamíferos de grande porte já feitos no bioma Mata Atlântica e o primeiro em larga escala realizado na região. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar tem o objetivo de gerar dados para subsidiar planos de conservação da anta (Tapirus terrestris), da queixada (Tayassu pecari) e da onça-pintada (Panthera onca).

O projeto será lançado oficialmente no dia 5 de novembro, em evento online nos perfis do Facebook https://www.facebook.com/grandesmamiferosdaserradomar e do Instagram https://www.instagram.com/grandesmamiferosdaserradomar/

O diferencial do programa é o monitoramento em larga escala. São 17 mil quilômetros quadrados (km²) de atuação nos estados de São Paulo e Paraná – uma área equivalente a 11 cidades paulistas –, que integram o território da Grande Reserva da Mata Atlântica, o maior remanescente contínuo de Floresta Atlântica preservada do país.

A implementação de um programa de monitoramento de grandes mamíferos em larga escala é importante para apoiar tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo a nível territorial em um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do país e tem o potencial de engajar a sociedade civil nas ações de conservação, por meio de uma estratégia de ação multi-institucional e colaborativa, afirma o responsável técnico do Programa e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Roberto Fusco, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e pós-doutorando na Universidade Federal do Paraná.

Os resultados esperados desse programa permitirão o acesso em tempo real às informações sobre distribuição de grandes mamíferos para poder identificar processos de recuperação ou declínio populacional ao longo da região; usar fotografias e vídeos obtidos por armadilhas fotográficas para gerar entusiasmo e apoio público; manter uma rede ampla de pessoas e instituições colaborando no monitoramento de grandes mamíferos mediante armadilhas fotográficas e pegadas; facilitar e ampliar a obtenção dos dados de ocorrência das espécies, através da ciência cidadã, com o desenvolvimento de um aplicativo de celular; oferecer recomendações de manejo aos gestores das unidades de conservação (UCs) públicas e privadas da região e auxiliar na realização das ações previstas nos planos nacionais para conservação de mamíferos (PANs) de mamíferos ameaçados de extinção.

O programa é realizado pelo Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) e Instituto Manacá, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, WWF-Brasil e dobanco ABN AMRO, e com a parceria da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Fundação Florestal, do Legado das Águas – Reserva Votorantim, da Fazenda Elguero, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (PPG ECO – UFPR) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo Roberto Fusco, que é responsável técnico pelo programa, ao lado das pesquisadoras Bianca Ingberman e Mariana Landis, a iniciativa surgiu da necessidade de uma agenda integrada para monitoramento e conservação de grandes mamíferos. Isso porque o resultado de 15 anos de pesquisa na região indicou que tais espécies estão mais presentes em locais mais elevados e remotos, deixando muitas áreas de floresta demograficamente vazias de grandes mamíferos, inclusive em unidades de conservação.

“A preocupação com a ausência desses animais é pela viabilidade a longo prazo das espécies, que já estão ameaçadas de extinção. É um sinal de alerta. Grandes mamíferos necessitam de áreas extensas para sobreviver, são extremamente vulneráveis à perda de habitat e à pressão da caça, sendo os primeiros a desaparecer. A proposta, portanto, é oferecer dados robustos e de qualidade que indiquem onde essas espécies estão, se elas estão diminuindo, ou aumentando, e como estão ocupando o território”, explica Fusco.

O monitoramento integrado em larga escala de espécies ameaçadas gera informações para planejamento de conservação e ajuda a criar estratégias mais efetivas para proteção e recuperação das populações desses animais. Além disso, o volume e a qualidade dos dados influenciam diretamente na efetividade das ações, possibilitando uma visão mais ampla e integrada, diz a pesquisadora Bianca Ingberman, doutora em ecologia e conservação pela Universidade Federal do Paraná.

“Para a Grande Reserva Mata Atlântica, uma das regiões mais exuberantes e biodiversas do mundo, o programa visa contribuir de forma significativa com dados e informações para subsidiar o planejamento e estratégias de proteção e recuperação das populações de grandes mamíferos, espécies que são essenciais para o equilíbrio do ecossistema. E, uma vez que a floresta esteja saudável, continuará fornecendo os serviços ecossistêmicos que garantem bem-estar e qualidade de vida à sociedade, principalmente a disponibilidade hídrica e a regulação do clima”, acrescenta Bianca.

O bom manejo e conservação de áreas naturais atrai oportunidades de benefício socioeconômico para a região. “A Serra do Mar tem grande potencial econômico. O turismo de natureza é um exemplo. Pode gerar emprego e renda, valorizando a vocação local e mantendo a floresta em pé. São planos de manejo e de conservação bem fundamentados que catalisam essas oportunidades. Além disso, essas áreas podem receber investimento de empresas para projetos de conservação, uma prática que gera reputação e que tem atraído investidores de todo o mundo. A conservação, embasada na ciência, então, se torna um negócio com benefício mútuo”, destaca Mariana Landis, pesquisadora do Instituto Manacá e doutoranda em ecologia aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo.

Para o coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Robson Capretz, a Grande Reserva Mata Atlântica tem grande potencial para contribuir com o desenvolvimento regional baseado no turismo em áreas naturais e em negócios de impacto positivo ao meio ambiente.

“Informações sobre as espécies que habitam a região e práticas efetivas de conservação são essenciais para embasar atividades turísticas responsáveis e sustentáveis, que também prezem pela proteção da natureza”, diz Capretz. Para ele, outro ponto importante é que a presença em grande densidade dessas três espécies indica ótimo status de conservação dos habitats, já que elas são bem territorialistas e seletivas.”

Frentes de ação

O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar atua em quatro frentes de ação: monitoramento, com coleta de dados de maneira científica e sistemática; planejamento de conservação, para apoiar os tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo; sensibilização, para gerar mais conhecimento e valorização da fauna da Mata Atlântica por toda a sociedade e, por fim, a rede de monitoramento.

Esta frente é uma estratégia de ação multi-institucional e colaborativa com o objetivo de integrar e fortalecer os trabalhos de preservação na área por meio da articulação de diferentes atores (gestores, pesquisadores, população local, praticantes de ecoturismo, montanhistas) dentro de uma agenda comum de monitoramento e conservação de espécies ameaçadas presentes na Grande Reserva Mata Atlântica.

Nos estudos que antecederam a criação do programa, também liderados pelo IPeC, a participação de moradores da região gerou resultados: além de contribuir no mapeamento local de ocorrência das espécies, eles ajudaram os pesquisadores a chegar a áreas montanhosas de difícil acesso. Foi assim que a equipe conseguiu, em 2018, registrar, por meio de armadilhas fotográficas, as primeiras onças-pintadas (um casal) na Serra do Mar paranaense e mais um indivíduo macho no ano seguinte.

“Esse fato mudou o status de ocupação da espécie na região, reafirmando que a Serra do Mar no Paraná – que antes do registro era considerada como não ocupada por esse animal – necessita, sim, de investimento em conservação e mais políticas de proteção para a onça-pintada. Com o programa, em uma área muito maior e com mais parceiros, por meio da rede de monitoramento, estamos confiantes de que teremos resultados tão expressivos quanto esse”, diz Fusco. O auxílio de moradores na coleta de dados faz parte do processo de ciência cidadã, importante para o engajamento da sociedade e para o entendimento de como funciona, de fato, uma pesquisa científica, acrescenta.

População local

A frente de atuação sensibilização é feita por meio das redes sociais e da tecnologia. As imagens obtidas em campo com a tecnologia das armadilhas fotográficas são transformadas em conteúdo com conhecimento sobre a Mata Atlântica e sua diversidade, em uma linguagem acessível e cativante, afirma Fusco. “Há alguns anos, obter imagens de animais livres no habitat, mostrando a sua natureza, o seu comportamento, era praticamente impossível, com custos astronômicos. Hoje, qualquer pessoa com um celular, pode conhecer o ‘cotidiano’ de uma onça-pintada na floresta, por exemplo. Vídeos feitos nas câmeras mostram os animais brincando, comendo, as fêmeas com os seus filhotes, ou seja, realmente livres. Essas imagens, portanto, acabam tendo um poder muito grande de sensibilização, gerando um sentimento de querer proteger aquela floresta onde vive aquele animal que viram no vídeo.”

Adicionalmente, pelas redes sociais, as pessoas poderão acompanhar como é uma unidade de conservação e quais são as atividades e ações ali desenvolvidas. “Pessoas bem engajadas com conhecimento e informação, fazem escolhas melhores e mais conscientes, tendo consequências diretas na conservação da biodiversidade brasileira”, finaliza Fusco. 

Atualmente, a rede de monitoramento conta com cerca de 20 membros, que contribuem com levantamento de dados, equipes e outros recursos. Um dos membros é Caio Pamplona, chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Antonina-Guaraqueçaba, do ICMBio, que reforça a importância da parceria. “É um importante passo na proteção do maior contínuo de Mata Atlântica preservada do país. Para as espécies, é parte de um trabalho decisivo, principalmente para a onça-pintada, visto que a estimativa é de uma população de apenas 250 indivíduos e que, se nada for feito, em 60 anos, podem desaparecer completamente do bioma. Integrar e distribuir esses dados em rede será um grande diferencial para ações coordenadas e efetivas. Estamos felizes em contribuir”, afirma Pamplona.

Mamíferos brasileiros

O Brasil é o país com maior riqueza de mamíferos conhecidos no mundo. São 701 espécies, das quais mais de 10% estão oficialmente ameaçadas de extinção. Desse total, 90 espécies são endêmicas à Mata Atlântica, ou seja, só ocorrem nesse bioma, explica Fusco. 

Mamíferos de grande porte como a onça, o porco-do-mato, a anta, o veado e a capivara, entre outros, sofrem com a perda de habitat e pressão de caça. Os grandes mamíferos herbívoros, como a anta e a queixada, são essenciais para a manutenção da floresta, por serem dispersores e predadores de sementes.Tais espécies são responsáveis pela dispersão de mais de 100 tipos de sementes, por extensão de cerca de 40 quilômetros, diariamente. “Florestas e áreas vazias desses animais podem sofrer com a perda de diversidade vegetal, consequentemente, o afastamento de outros animais que dependem dessas espécies da flora para sobreviver. A longo prazo, não seria exagero dizer que a viabilidade da floresta corre um grande risco”, alerta o pesquisador. 

Já os grandes mamíferos carnívoros, como a onça-pintada, por estarem no topo da pirâmide alimentar, são essenciais no controle e equilíbrio de populações de outros animais que fazem parte da sua dieta, influenciando diretamente em toda dinâmica do ecossistema. “É como um efeito em cascata: na ausência de um predador, a abundância de outras pode aumentar, causando diversos prejuízos, inclusive econômicos, por invasão de espécies animais em agriculturas”, conclui Fusco.

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