A expansão da covid-19 entre menores de 29 anos fez
crescer também a tensão em famílias nas quais jovens se dividem entre a busca
de diversão fora de casa e o risco de contaminar parentes ao voltar. No Estado
de São Paulo, os infectados nessa faixa etária eram 20% em junho e, desde
setembro, são 27%, informam João Ker e Júlia Marques.
Entre os mortos, menos de 2% têm até essa idade,
o que segundo especialistas contribui para considerarem distante a
possibilidade de complicações e até mesmo aceitarem uma contaminação rápida
para ganhar logo imunidade. “São nove meses. Gostaria de sair mais para a
casa de amigos, tomar ‘breja’, dar risada. Mas nem isso minha mãe deixa, está
muito assustada. Perguntei se podia ir à casa de um amigo e foi a maior briga”,
desabafa Pedro Ewerton, de 25 anos. Há ainda casos dos que se desentenderam com
pais e avós por seguirem quarentena rígida e não verem o mesmo comportamento
dos mais velhos.
Quando fala em encontrar dois ou três amigos, o
mundo parece desabar na casa de Pedro Ewerton, de 25 anos. Ele mora com os
pais, que fazem parte do grupo de risco para covid-19, e diz que só falta sair
faísca sempre que um plano de flexibilizar o isolamento é posto em discussão.
Ao mesmo tempo, fotos e stories dos amigos em festas proliferam no Instagram e
contaminam o humor. “Minhas redes sociais estão bombando. Por mais que
seja forte, mesmo que você ignore, isso pesa.”
Muitas vezes apontados como principais
responsáveis pela nova alta de casos, adolescentes e jovens relatam pressão de
fora para retomar o lazer e tensão em casa. Aqueles que moram com pessoas do
grupo de risco tentam se equilibrar entre o assédio para sair e o medo de
infectar pais e avós. E quem ainda está preocupado até arrisca um pouco, mas
escolhe as amizades que compartilham os mesmos protocolos.
“Antes da pandemia, saía todo fim de semana
para festa e rolês”, diz Ewerton, que trabalha com marketing digital em
home office e conta nos dedos as vezes em que pôs o nariz, coberto pela
máscara, para fora. “São nove meses. Gostaria de sair mais para a casa de
amigos, tomar ‘breja’, falar baboseira, dar risada. Mas nem isso minha mãe
deixa, está muito assustada. Perguntei se podia ir à casa de um amigo e foi a
maior briga de todos os tempos”, diz ele, cujo pai é idoso e a mãe tem
predisposição para trombose.
No Estado de São Paulo, a proporção de casos na
faixa até 29 anos aumentou, conforme dados do governo estadual. Em junho, essa
faixa etária correspondia a 20% do total de infectados e, desde setembro, são
27% (considerando a data de notificação). De 1,250 milhão de diagnósticos até o
dia 1.º no Estado, 307,6 mil estão no grupo. Por outro lado, apenas 2% dos
mortos são jovens. Eles costumam ter sintomas mais leves, ainda há mais chance
de subnotificação.
“Realmente temos aumento dos casos
positivos em todos os laboratórios, principalmente envolvendo jovens”,
disse há dez dias José Medina, do Centro de Contingência da Covid do governo
“Esse fenômeno acontece no mundo todo,
porque são essas pessoas (os jovens) que não querem seguir protocolos de
distanciamento e pensam em pegar logo o vírus para ficarem imunes, mas não
pensam em como vão transmitir para os outros”, diz Sylvia Lemos
Hinrichsen, médica e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Na casa da arquiteta Thaís Mendes, de 25 anos,
os gráficos da covid são assunto do jantar. Ela, que mora com pai diabético,
mãe hipertensa e avó de 80 anos, é a única que não faz parte do grupo de risco
da covid. Nem por isso se permite ir a festas ou bares porque tem medo de
infectar os parentes. A tensão não vem de casa, mas de fora, com as notícias
que chegam dos amigos e conhecidos pela Internet.
“Fiquei muito irritada porque vi amigos
indo para festas com 40 pessoas, no auge de pandemia, e postando nas redes sociais”,
diz a jovem, que fala em “decepção” e avalia ter se afastado de
algumas pessoas com quem mantinha contato virtual “pelo bem da saúde
mental”. Para espairecer, escolheu duas amigas, que ela sabia que tinham
preocupação igual, e marcou um encontro em casa, em um cômodo separado de
todos. Isso só depois que o município de Bragança Paulista, onde a família
mora, ficou mais de 15 dias sem ter mortes pela covid.
A estudante de Psicologia Giovanna Fortuna, de
19 anos, também diz sentir o impacto do longo tempo de isolamento e o que vê
pela tela do celular é um gatilho. “Me abala bastante. Tenho medo de
contaminar minha família, tenho de lidar com a ansiedade que já tinha antes da
quarentena. Abrir (as redes sociais) e ver que está todo mundo curtindo, se divertindo
como se nada estivesse acontecendo, dá um incômodo e uma ‘raivinha’”,
conta. “Não das pessoas, mas da situação.” Desde março, ela só sai
para o essencial, recebe o namorado em casa após longas temporadas sem vê-lo, e
tenta colocar mãe, pai e tia – idosos – na linha. “Fui a que mais pegou no
pé da família. Já estavam pensando se podiam sair e falei que não rola, ainda
mais com essa segunda onda.”
Mãe de castigo. Já Débora Schurmann, de 22 anos,
desistiu. A estudante de Química tentava sensibilizar a mãe – de 64 anos,
diabética e hipertensa -, mas parou de falar depois que a idosa anunciou que
iria a um casamento. “Eu disse que ela não entraria no meu quarto por 15
dias.” Foi o começo de uma discussão que terminou com a promessa de não mais
palpitar no isolamento alheio. “Não fico irritada por estar me isolando,
mas por estar me isolando e ela não dar importância. Porque não adianta nada eu
me cuidar e ela ficar saindo, tirando máscara para falar”, desabafa
Débora.
Ela diz manter quarentena para ter a consciência
tranquila, mas admite falta da vida de antes, com festas em repúblicas.
“Fico um pouco mal de ver pessoas saindo, às vezes bate aquela tristeza e
ansiedade, dá saudade de ver amigos, ir a festinhas, o chamego dos
‘contatinhos’.”
Em situação oposta está Lisiane Guterrez, de 37
anos, que já não consegue mais manter o filho, de 14, em casa. “Os amigos
começaram a chamar. A gente mora na praia e não tive mais como segurar, até
porque adolescente em casa sempre acha algo para fazer confusão”, diz a
mãe, que mora em Itapema, em Santa Catarina, que tem sofrido com sobrecarga nos
hospitais.
Ela teme pela saúde das 11 pessoas, incluindo a
sogra, de 80 anos, que moram na casa. O filho passou a fazer refeições no
quarto e tem pouco contato com a avó – medidas que Lisiane espera que sejam
suficientes. “A gente tenta viver o normal que dá, para não pirar a
cabeça. Seja o que Deus quiser.”
Ser leal em casa ou ‘pertencer’ ao grupo, uma
dura escolha
Para os jovens, a necessidade de aceitação dos
pares faz diferença na decisão sobre continuar longe do convívio de todos.
“As relações sociais são muito fortes nas definições da identidade
individual deles”, diz o sanitarista Paulo Amarante, do Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Fiocruz. Segundo
ele, é importante “insistir na racionalidade, de a pessoa pensar e
entender o risco” de contaminação dela e dos demais.
“Será que eu é que estou errada de ficar em
casa e eles estão certos de sair?” Esse é o questionamento que Giovanna
Batista, de 18 anos, faz todo domingo, quando acorda e vê a chuva de stories no
Instagram de amigos que viraram a madrugada em festas Para ela, que mora com um
avô de 87 anos, há medo de colocar os mais velhos em risco, mas pesa a
necessidade de pertencer ao grupo.
Por isso, mensagens que encorajam o isolamento,
vindas de jovens, são recebidas por outros como um alento. “Esse post me
incentiva”, disse uma garota em um grupo no Facebook com 136 mil pessoas,
após um rapaz publicar que ficar em casa faz muita diferença
Karen Morejón, membro da diretoria da Sociedade
Paulista de Infectologia, reforça que reuniões de jovens devem ser evitadas.
“Ficamos preocupados em não ter aulas presenciais e quando você vira para
o lado tem festinhas e aglomerações. Cuidamos tanto do idoso, orientando que
faça o distanciamento, mas quem convive com ele muitas vezes não está fazendo
isso”,
Se os encontros forem inadiáveis, é preciso
reduzir danos – poucas pessoas, com máscara durante todo o período, distância
de mais de 1,5 metro e em locais bem ventilados. Uma praça ou parque pode ser
melhor do que um restaurante fechado. Horizonte difícil. Para Margareth
Dalcolmo, pneumologista da Fiocruz, o sentimento de onipotência dos jovens e o
aumento dos casos nessa população eram uma “crônica anunciada”.
“Não somos um país de população geriátrica como Itália e França. No pico
epidêmico, houve um momento em que mais de 50% dos leitos no Rio de Janeiro
estavam ocupados por pessoas com menos de 50 anos. E imagino que agora vá
ocorrer o mesmo”, afirma.
A especialista acredita que o Brasil ainda não
chegou a uma segunda onda da pandemia, mas piorou a primeira. Para piorar, a
tendência é de agravamento do quadro após as festas de fim de ano.
Alta incidência de covid em jovens eleva tensão nas famílias
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