Confiança é um bem intangível. Demora para construir, demole-se num segundo. O mundo vive uma crise manifesta de confiança. Ninguém mais acredita em ninguém. Isso é ruim. A vida já é um sofrimento, principalmente em tempos de peste. O Brasil é um caso à parte. Não bastava a pandemia, mas há problemas na economia, no ambiente, na governabilidade. Enfim, é preciso recobrar confiança em algo ou em alguém.
A agência global de comunicação Edelman fez uma pesquisa entre outubro e novembro de 2020 e constatou que o brasileiro só confia na empresa. Para 61% dos entrevistados, ela é a única instituição confiável. As ONGs ficaram com 56%, a mídia com 48% e o governo com 39%.
Isso significa a realidade da constatação de pensadores que veem o declínio da Democracia representativa como um dos fenômenos a serem considerados neste século. A representação faliu, porque ninguém mais se sente representado nas funções estatais.
Houve um divórcio entre o representante e o representado. Aquele procura o eleitor às vésperas das eleições, promete mundos e fundos e depois desaparece. Fica a cuidar de seus próprios interesses. Volta à época da eleição ou da nefasta reeleição, raiz de inúmeros males nesta terra.
É urgente que, além das reformas essenciais – administrativa, tributária, do sistema Justiça, da educação pública – se faça uma reforma política. O constituinte de 1988 prometeu uma Democracia Participativa, mas foi muito tímido ao contemplar apenas o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular como institutos de implementação de um modelo em que o cidadão tem vez e voz na gestão da coisa pública.
Seria bom voltar a discussão para incluir no texto constitucional o recall, inclusive o recall judicial e o veto popular. O recall permitiria a cassação em pleno curso do mandato, para aquele que não estivesse a exercer o mandato tal e qual os representados gostariam. Recall judicial para cassar decisões evidentemente contrárias ao direito. Infelizmente, ocorrência não rara no sofisticado Judiciário tupiniquim.
Os governos que se cuidem, porque chegará o dia em que a cidadania terá condições de exigir que eles se convertam naquilo que deveriam ser: instrumentos a serviço do único titular da soberania: o povo. Governo existe para servir e não para ser servido.
José Renato Nalini
desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista