Violência contra a mulher: ‘Ele me castigava com o silêncio’

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Rosana Ibanez – Diretora de Redação

“Eu sempre tinha que deixar o mundo perfeito para ele. Se algo fugisse do que ele gostava ou julgava ser aceito, eu pagava. Semanas sem falar comigo, mesmo morando na mesma casa. Para ele é perfeitamente natural agir como se eu não existisse, mesmo estando fisicamente do lado dele”.

O relato surpreendente é de uma vítima de violência psicológica. Muitas mulheres não entendem atitudes como esta como violência. E esse é exatamente o problema porque antes de a violência física acontecer, a vítima já sofreu com inúmeros episódios de violências morais e psicológicas. A Folha Metropolitana conversou com algumas mulheres e traz nesta edição as histórias que revelam a dor com cicatrizes tão profundas que é inevitável, ao relembrar, as lágrimas não caírem. Todas as mulheres ouvidas pela reportagem não estão mais com os agressores. Os nomes serão preservados.

“As brigas eram sempre por motivos fúteis. Eu tinha que pedir desculpas mesmo quando não estava errada ou pagava com o silêncio. Certa vez ele ficou dois meses sem falar comigo. Nós morávamos juntos. Uma noite, em desespero e chorando, eu fui até ele para conversarmos. Ele sequer olhou para mim. Seguiu friamente assistindo à televisão e sorrindo pelo que estava vendo”.

Segundo o Instituto Maria da Penha, é considerada como violência psicológica “qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. Exemplos desse tipo de violência são ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento (proibir de estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes), vigilância constante, perseguição contumaz, insultos, chantagem, exploração, limitação do direito de ir e vir, ridicularização, tirar a liberdade de crença e distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e sanidade (gaslighting).

“Tivemos um relacionamento de seis anos. Eu ignorei muitos sinais de quem ele realmente era. O amor, a paixão nos cegam e não enxergamos o que está claramente diante dos nossos olhos. O primeiro tapa, soco, chute e puxões de cabelo não surgem do nada. Antes vieram os gritos, as ameaças e muitas lágrimas. Hoje eu me considero livre, liberta daquele homem que um dia ousei chamar de amor, mas o amor não machuca a gente não é mesmo? Aquilo não era amor, era a morte e hoje eu tenho vida. Voltei a estudar, a trabalhar, a viver e ser feliz. Está vendo este sorriso? É de verdade, é de uma pessoa feliz, de bem com a vida”.

Lei

No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou sem vetos a Lei 14.188, de 2021, que cria o programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar. O texto também inclui no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) o crime de violência psicológica contra a mulher, a ser atribuído a quem causar dano emocional “que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. O crime pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

“Começou com gritos, mas depois me pedia desculpas e ficava tudo bem. Bem para ele, porque em mim as marcas que eu carrego, não apenas no corpo, mas na alma jamais serão esquecidas”.

Patrulha Maria da Penha já realizou quase 8 mil visitas

Um total de 7.932 visitas já foram realizadas desde a implantação da Inspetoria de Patrulhamento e Ações Sociais Preventivas (Ipasp) da Guarda Civil Municipal (GCM) de Guarulhos em 2018. Elas resultaram no encaminhamento 196 vítimas para o Juizado da Violência Doméstica e Familiar e pelo Ministério Público, totalizando 22 prisões em flagrante, delito por descumprimento de medida protetiva. Só neste ano, já foram 358 visitas realizadas.

No comando da Patrulha Maria da Penha, está a gestora Darcy Maria Feitosa dos Santos. “Estou à frente desse trabalho que cresce a cada dia. Além de elevar o nome da corporação com o comprometimento com o serviço, há a responsabilidade e dedicação de toda a equipe que faz parte da Inspetoria e faz o melhor para atender todas as mulheres que foram vítimas de pessoas que não têm amor ao próximo e que tratam as mulheres como se fossem um objeto. Nós vivemos numa sociedade violenta, onde trabalhamos tanto e não vemos a diminuição da violência porque o machismo ainda impera”, afirmou.

Segundo ela, o trabalho humanitário também traz acolhimento às mulheres que estão fragilizadas e, em muitos casos, depressivas. “O que eu recomendo para as mulheres que estão passando por problemas de violência doméstica e familiar é que não se calem, peçam ajuda ou contem para alguém o seu problema pois sempre tem alguma pessoa que vai te estender a mão”, disse.

Onde procurar ajuda?

A Prefeitura de Guarulhos, por meio da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres, oferece às  vítimas de violência doméstica diversos tipos de atendimento, todos com início na Casa das Rosas, Margaridas e Beths, que é o Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica. O local atende mulheres entre 18 e 60 anos e tem como objetivo promover a igualdade de gênero, contribuindo para o empoderamento da mulher para que consigam romper com o ciclo de violência. O Centro de Referência fica na rua Paulo José Bazzani, 47 – Macedo, e funciona de segunda-feira à sexta-feira, das 7h às 19h.

Assim que a mulher chega ao local, recebe atendimento psicossocial para que possa ter forças para sair da situação de violência em que vive, sendo elaborado um plano personalizado de atendimento, já que cada vítima sofre um tipo de violência e tem uma história. Além disso, a casa também encaminha as mulheres para aos serviços assistenciais adequados e oferece orientação jurídica, que pode, inclusive, encaminhar a mulher para a Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad), Defensoria Pública ou/e Delegacia de Defesa da Mulher.

Denúncias também podem ser feitas através dos números 180, 2087-3013, 2475-9444 ou 153.

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