Uma tristeza tomava conta de Antônio Pissirili, de
74 anos, quando ele olhava para as próprias pernas e elas não seguiam mais seus
comandos. Curado do novo coronavírus, ele perdeu os movimentos após o vírus
desencadear a Síndrome de Guillain-Barré, doença neurológica autoimune que pode
levar à paralisia, e é um dos dez pacientes que já foram atendidos na Rede de
Reabilitação Lucy Montoro depois de terem ficado com sequelas da covid-19.
Há cerca de dois meses, segundo a rede e a
Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR), começaram a
chegar os primeiros pacientes com necessidade de fazer reabilitação depois de
se recuperar do vírus.
São pessoas que passaram por longo período de
internação e perderam massa magra em grande quantidade, o que limitou suas
atividades, ou que apresentaram quadros de fadiga, dor crônica e doenças raras
ligadas a processos infecciosos, como Guillain-Barré, que ficou mais conhecida
no País durante a emergência do zika vírus.
O aposentado até tinha ficado gripado por uns
dias, mas só descobriu a infecção pelo vírus a partir dos sintomas da síndrome,
que apareceram em um domingo no começo de abril. “Fui passar um café e
minhas pernas tremeram.”
A dificuldade para se locomover não parecia
normal para um homem que trabalhou mais de 20 anos como gari e que, depois de
aposentado, tinha o hábito de caminhar dois quilômetros por dia
“Quando ele foi ao banheiro, as pernas não
reagiram mais. Na AMA (Assistência Médica Ambulatorial, da Prefeitura), teve a
suspeita de covid. A gente voltou para casa e ele não conseguia andar de novo.
O resultado do exame foi positivo (para coronavírus). O pulmão já estava
comprometido”, relembra a mulher, a diarista Natália Inácio Pissirili, de
58 anos.
Ele já foi encaminhado para o Hospital de
Campanha do Ibirapuera, onde ficou por dois dias, mas teve de ser internado no
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HCFMUSP). Foram 22 dias de hospitalização. “Passei cinco dias entubado,
não vi nada”, diz.
Do Hospital das Clínicas, o gari aposentado foi
encaminhado para a Rede Lucy Montoro, onde iniciou um acompanhamento
multidisciplinar para retomar atividades simples, como andar, comer, trocar de
roupa.
Pissirili foi um dos primeiros recuperados da
covid-19 a chegar na rede, que começou a receber esses pacientes no final de
maio. A instituição, que costuma fazer a reabilitação de pessoas que sofreram
traumas em acidentes e casos de acidente vascular cerebral (AVC), teve de criar
áreas específicas para os novos pacientes.
Linamara Rizzo Battistella, médica fisiatra e
presidente do Conselho Diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação
da Rede Lucy Montoro, conta que assim que os pacientes começaram a chegar a
equipe percebeu que os recursos de reabilitação não seriam suficientes para
atender a pandemia. “Com a experiência dos outros países, já estávamos
vendo as condições com as quais o paciente conseguia alta. Com sequelas na
parte emocional, na parte de memória e nas condições físicas. Quando a doença
chegou aqui, já tínhamos a percepção de que teria reabilitação diferente de um
trauma, de um AVC. Esses pacientes têm características de dor crônica, de
alterações paralíticas que remetem a doenças medulares, alterações dos
músculos, mas com respostas diferentes às intervenções”, explica.
De acordo com Linamara, as sequelas deixadas
pelo vírus podem ser revertidas com a reabilitação em um período menor do que o
de um trauma, por exemplo. A meta da instituição é, até o início de agosto, ter
a possibilidade de oferecer o tratamento em todas as unidades da rede no
Estado.
“Quando saí do hospital, se eu pegasse um
copo d’água, derrubava metade na cama. Se me colocasse de pé, eu caía”,
relembra Pissirili. “Não conseguia andar, a fala não saía, é uma coisa que
não desejo para ninguém. Achei que ia morrer por causa da fraqueza. Me dava uma
tristeza olhar para as minhas pernas, porque eu ia vegetar. A minha maior
riqueza foi as minhas pernas voltarem a funcionar”, conta.
Complicações
Embora as unidades de reabilitação ainda não
tenham fechado um balanço, a demanda de pacientes tem aumentado nos últimos
dois meses, segundo Eduardo de Melo Carvalho Rocha, médico fisiatra e
vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação
(ABMFR).
“São complicações de doenças associadas à
covid, como Guillain-Barré. Embora não seja tão clara como ocorreu na época da
zika, a gente já vê um aumento nas UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Aqui na
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, neste último mês, tivemos três
pacientes com covid que tiveram Guillain-Barré. São doenças raras, mas
apareceram em pacientes pós-covid. O que se acredita é que é um vírus novo que
expôs muita gente ao mesmo tempo e aumentou o risco de doenças por exposição
viral”, afirma Rocha.
A recuperação dos pacientes pós-covid-19
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