“A gente tem de aprender a lidar com a poesia
da vida, mas a poesia da vida nem sempre é bonita.” Essa frase da Juliana
representa a forma que ela e outras tantas pessoas encontraram para ver beleza
em meio à angústia da espera Por causa da pandemia do novo coronavírus,
mulheres e casais tiveram de adiar o sonho de terem filhos por fertilização em
laboratório.
Por orientação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), procedimentos de reprodução humana foram temporariamente
suspensos. As justificativas incluem incertezas e falta de evidências robustas
sobre o vírus, além de assumir que mulheres grávidas se tornam mais vulneráveis
por mudanças imunológicas. E o tempo para muitos pode ser curto.
“Aos 30 anos, a mulher tem 20% de chance ao
mês de engravidar. Com 42 anos, é de 2% ao mês”, diz Paulo Gallo, diretor
do Vida – Centro de Fertilidade e professor de Ginecologia na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. Além da quantidade de óvulos reduzir, a qualidade
dos gametas também piora, principalmente depois dos 35 anos – e mais ainda após
os 40.
Foi com essa realidade que Juliana Caribé teve
de lidar quando, aos 37 anos, se consultou com uma médica da clínica no Rio. A
profissional disse que a idade era um “dificultador” somado à
endometriose com a qual a coach e especialista em desenvolvimento humano havia
sido diagnosticada aos 25 anos. Aquela época era a melhor para engravidar ou
congelar os óvulos, pois é a fase áurea da produção dos gametas.
A verdade doeu, mas a mulher, determinada, tinha
um sonho a realizar com o marido, com quem está casada há quase 17 anos. Após
uma bateria de exames, Juliana iniciou estimulação ovariana “O
procedimento foi doído, a carga hormonal é forte, tem toda a questão emocional,
é caro, e você quer que tenha resultado”, diz, hoje com 42 anos. Foram
cinco embriões de boa qualidade como resultado. Os dois melhores foram
implantados. “Tinha certeza de que ia dar certo, mas não deu.”
Mais exames identificaram nela um problema na
tireoide, que levou mais dois anos para ser tratado. Ao retornar à clínica para
seguir com a fertilização, novas avaliações acusaram piora da endometriose.
Três meses depois de tratar, ela estaria apta a seguir com o sonho, mas isso
foi em maio deste ano, e a pandemia da covid-19 foi imperdoável. “É uma
sensação de angústia de que sempre existe algo entre mim e esse sonho de ser
mãe. É uma contagem de tempo, o tempo está passando e eu preciso conseguir
realizar isso”, deseja Juliana.
Cursos e leitura
Já a convivência com as sobrinhas despertou em
Vivian Minitti, de 37 anos, e no marido Milton Brunelli Filho, de 48, a vontade
de terem filhos. Casados há quatro anos, eles não pensavam nessa possibilidade
antes e ele já tinha feito vasectomia. Sem querer revertê-la, o casal foi
direto para a reprodução assistida. Em novembro, saiu de Piracicaba (SP) para
fazer o tratamento na Huntington Medicina Reprodutiva, na capital paulista.
“Eu tomava anticoncepcional, então até parar, normalizar e eu menstruar de
novo levou três meses. Demorei para fazer os primeiros exames porque tinha dia
certo para isso”, conta a corretora de imóveis. A consulta foi em março
desde ano. Depois de alguns exames realizados, veio a notícia de que teriam de
esperar. Eles só não imaginaram que seria por tanto tempo.
“Fica aquele sentimento de ‘Agora que a
gente decidiu…’. Não sou tão nova, apesar dos óvulos estarem bons. Eu nunca fui
uma pessoa muito ansiosa, mas agora até estou”, diz Vivian. Para amenizar
a espera, o casal embarcou em uma preparação. “Desde o começo de abril, a
gente mudou completamente a alimentação, cortou café, bebida alcoólica, toma as
vitaminas de que precisa. Estamos cuidando da gente para colher os melhores
gametas possíveis”, diz ela. Eles também mergulharam no universo da
maternidade e paternidade com cursos e leituras sobre o tema.
Ritmo
Para que o tempo da espera não se transformasse
em um tormento, a autônoma Elis Regina Mortola Bandeira, de 38 anos, tem se
dedicado à Banda Ritmos, criada pelo marido, que é músico, e na qual ela canta
– o nome de artista não é à toa. “Isso está me tirando um pouco a angústia
dessa espera, foi uma forma para eu me entreter, passar o tempo, não ficar
pensando muito”, conta ao Estadão. A arte tem sido fundamental neste
momento, em que ela quase entrou em depressão.
Mãe de uma jovem de 23 anos, fruto de um
relacionamento anterior, ela está com o atual marido há seis anos, casada há
quatro, e ele não tem filhos. Elis uniu esse fato ao desejo que já tinha de
gestar novamente. Após algumas tentativas em vão, consultou uma médica na
cidade vizinha de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que a tratou para
endometriose, mas sem um diagnóstico. Inesperadamente, a profissional que a
assistia mudou de município e deixou a mulher com seu sonho desamparada.
Persistente, a autônoma buscou outro médico que,
por meio de novo exame, constatou que ela tinha as tubas uterinas obstruídas
Impossibilitada de engravidar naturalmente, foi para a fila de espera de
inseminação do SUS quando tinha 34 anos. Ela ficou na lista de espera para
realizar o procedimento, mas não conseguiu fazê-lo porque o laboratório do
hospital indicado estava em reforma.
Três anos depois, entraram em contato com ela
para dar início, este ano, aos grupos de orientação para quem faria
fertilização in vitro. Os encontros nunca ocorreram porque a pandemia do novo
coronavírus impôs a necessidade de distanciamento social. “É complicado, o
sentimento é de ansiedade, apreensão, uma mistura de angústia e tristeza”,
desabafa Elis. Enquanto ela e o marido esperam, eles se cercam dos ritmos da
banda. Buscam o tom certo para alinhar o compasso de seus corações sedentos
pelo nascimento de uma nova vida.
Casais lidam com ansiedade por adiar sonho de ter filhos
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