A Inglaterra anunciou para 2030 a proibição de
venda de novos carros movidos a gasolina ou diesel. O Japão prevê restrição
parecida e a China quer ter uma regra em vigor em 2035 Nos EUA, a Califórnia
terá os veículos a gasolina ou diesel fora do mercado no mesmo ano. O avanço
mundial das discussões ambientais limita as vendas e coloca pressão sobre a
indústria do petróleo.
A Inglaterra anunciou, no mês passado, a
antecipação, para 2030, da proibição de venda de novos carros movidos a
gasolina ou diesel. O Japão também deve anunciar em breve uma proibição
parecida, que entraria em vigor em meados de 2030. A China prevê colocar em
vigor essa regra em 2035. Nos Estados Unidos, o Estado da Califórnia informou
em setembro que, também a partir de 2035, veículos novos movidos a gasolina ou
diesel estarão fora do mercado. Com o avanço das discussões ambientais em todo
o mundo, as limitações a esses carros deve aumentar cada vez mais. E isso tem
colocado grande pressão sobre a indústria do petróleo.
“O cerco está se fechando para que os
países reduzam o uso de combustível fóssil”, diz Jaime Andrade, sócio da
PwC Brasil.
Hoje, a gasolina e o diesel movem cerca de 90%
dos novos carros vendidos no mundo. E esses produtos são uma parte muito
importante dos ganhos das petroleiras. No caso da Petrobrás, por exemplo, 50%
da produção atual é de gasolina e diesel para o transporte rodoviário.
Em outubro, um acontecimento do mercado
financeiro acabou se transformando num marco desse novo mundo mais preocupado
com questões ambientais. A NextEra, uma das maiores geradoras globais de
energia solar e eólica, ultrapassou, em valor de mercado, a ExxonMobil, que já
foi a maior empresa privada do mundo (depois, a Exxon voltou a ficar à frente).
Em 2007, a petroleira valia US$ 500 bilhões. Nesta sexta-feira, valia US$ 176
bilhões.
No mercado automotivo, essa diferença fica ainda
mais evidente. A fabricante de carros elétricos Tesla valia, na sextafeira, US$
567 bilhões. Isso é mais do que o valor, somado, de Toyota, Volkswagen, GM,
Ford e Fiat Chrysler – empresas em que o carro movido a combustível fóssil
ainda é majoritário.
Por tudo isso, o presidente da Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes,
defende que o governo brasileiro deve monetizar de forma rápida os ativos que
estão debaixo do mar – o petróleo do présal, “do contrário vai virar
mico”. Ele lembra que todas as matrizes das montadoras instaladas no Brasil
estão ampliando a produção de automóveis eletrificados e as subsidiárias locais
estão atentas a isso. “Sabemos, no entanto, que nossa velocidade (de troca
dos carros a gasolina e diesel por elétricos) não será igual à da Europa, por
exemplo.”
Futuro
Para analistas, as novas gerações de carros
serão movidas a eletricidade ou uma mistura de combustível líquido e energia
elétrica. A soma de modelos elétricos e híbridos passarão dos atuais 10% para
51% das vendas globais em uma década, segundo estudo do Boston Consulting Group
(BCG) feito neste ano, antes da pandemia da covid-19, responsável pela crise
que deve acelerar projetos de carbono zero.
O líder do BCG para a indústria de mobilidade,
Regis Nieto, diz que o estudo foi feito com base nas premissas atuais, com
vários países adotando normas que proíbem produção e venda de carros movidos a
combustíveis fósseis.
Mesmo assim, alguns analistas ressaltam que a
sobrevivência dos dois combustíveis fósseis ainda será longa, pois seguirão
enchendo tanques de veículos em países em desenvolvimento como os da América do
Sul, frotas antigas e uma parcela dos carros híbridos, embora essa versão
eletrificada já esteja na mira também. “Não imagino que ocorra uma
migração radical para o elétrico e, na minha opinião, a gasolina terá vida
longa, no mínimo até 2050, em especial no Brasil”, afirma o sócio líder em
energia, óleo e gás da KPMG, Anderson Dutra.
Para Petrobrás, petróleo terá espaço por
muitas décadas
A transição energética para uma economia sem
emissões de gases efeito estufa não será rápida, principalmente em países
emergentes como o Brasil, na avaliação de Viviana Coelho, gerente executiva de
mudanças climáticas da Petrobrás. A função foi criada recentemente pela estatal
para reforçar a imagem de sustentabilidade das suas operações, em um momento
que investidores pressionam por políticas mais sustentáveis. Ela acredita que o
petróleo ainda terá espaço por muitas décadas para produtores eficientes.
Há 18 anos na Petrobrás, a executiva, que até
outubro ocupava a gerência de Emissões, Eficiência Energética e Transição para
Baixo Carbono, afirma que há mais de uma década a Petrobrás tem a transição
energética no radar, com perfeita consciência da tendência de redução da
demanda e do preço do seu principal produto, o petróleo. Mas, diferentemente de
algumas de suas rivais, a opção, neste momento, é não entrar na produção de
energias renováveis e continuar apostando no petróleo.
Os esforços são para manter em seu portfólio
apenas projetos resilientes ao novo cenário de preços baixos. A seu favor, a
empresa tem reservas gigantes da commodity no pré-sal, de baixo custo e baixo
teor de carbono, garantindo, no entender de Coelho, uma vida longeva para os
negócios da empresa.
“Em todos os cenários da Agência
Internacional de Energia, você enxerga a desaceleração do consumo do petróleo,
e eventualmente, em algum momento, uma retração nesse mercado. A gente não
trabalha com uma data específica para o pico (do petróleo), o que fazemos é
tentar ter um portfólio resiliente até para o pior caso. Trabalhamos com curva
do preço do petróleo, e este ano revisamos essa curva, o que exige que nossos
projetos tenham uma perspectiva de resiliência a US$ 35 (por barril)”,
explica. Ela destaca que até os cenários mais agressivos mantêm o petróleo
ainda por duas ou três décadas, com demanda significativa em 2040.
Nova geração. Ao mesmo tempo, diz, a empresa
lançou em setembro o programa de Biorefino 2030, que prevê projetos para a
produção de uma nova geração de combustíveis mais sustentáveis, como o diesel
renovável e o bioquerosene de aviação. “Isso foi um exemplo prático de
como a Petrobrás busca estar preparada para entrar em mercados que têm
competência para ser o melhor player”, explica. “Existe uma transição
em curso, mas não a ruptura completa, o petróleo não vai sumir de uma hora para
outra, principalmente em países emergentes.”.
A executiva vê uma grande diferenciação no ritmo
da redução do uso de combustíveis fósseis entre os países. “Teríamos
cenários fracos se a gente não enxergasse que uma das tendências consolidadas
do mundo é a expansão da mobilidade elétrica.
É um fator que pressiona a redução do mercado.
Por outro lado, você vê no Brasil, por ser um País em desenvolvimento, que
ainda tem uma previsão de expansão no setor de transporte”, afirma.
Metas de neutralidade de carbono para 2050, como
muitas petroleiras têm feito, não fazem parte das pretensões da estatal, por
entender que um prazo desse porte passa por muitas condicionantes.
“Gostamos de metas bem concretas, que possamos conseguir explicar como
vamos chegar lá.”
Estatal faz a opção possível, dizem analistas
Para analistas, a decisão da Petrobrás de não
entrar na onda de produção de energia renovável, como muitas de suas
concorrentes, é, no momento, a opção possível para uma empresa endividada e com
grandes reservas de petróleo debaixo da terra.
“A Petrobrás não tem vantagens competitivas
em geração renovável, isso ficou claro. O fato de não terem esse foco, porém,
não significa que não tenha avançado em temas perpendiculares a essa
pauta”, diz Ilan Arbetman, analista de petróleo e gás da Ativa
Investimentos, citando o aumento da importância da redução das emissões no
recente Plano Estratégico da empresa, que vai descartar projetos que tenham
alta emissão de gás carbônico, entre outros avanços.
A descoberta do pré-sal, antes encarada como uma
solução para as mazelas do Brasil, hoje representa um volume imenso de petróleo
em um contexto de baixo preço e demanda, que pode até afastar investidores no
médio prazo, o que torna o momento ainda mais desafiador para a petroleira
brasileira. A vantagem, diz a companhia, é que o petróleo do pré-sal é de alta
qualidade e com baixo teor de enxofre, e tem sido bem recebido pelo mercado
internacional.
Para Renan Sujii, Estrategista Chefe de
Investimentos no Grupo Harrison, a gestão da empresa desde Pedro Parente, em
2016, está olhando para dentro e focada na redução do endividamento. Até que
isso seja solucionado, diz, será difícil ver a Petrobras diversificando suas
operações. Pelo contrário, a empresa está se desfazendo de tudo que não seja
petróleo e gás. Mas ele prevê que depois de resolvidos os problemas
financeiros, a companhia deve olhar outros setores.
Declínio
Shin Lai, estrategista da Upside Investor, diz
que já há muitos sinais de que a era de declínio do petróleo está em andamento.
“A China anunciou meta de emissões zero em
2060, a Inglaterra vai proibir venda de carros novos a gasolina em 2030 e com a
eleição de Joe Biden, nos EUA, essa pressão vai ser ainda maior. Tudo isso
coloca pressão sobre as petroleiras, ao mesmo tempo em que não podem acelerar a
produção porque não tem demanda”, explica.
Cerco ao carro a gasolina pressiona petroleiras
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