Um estudo observacional com mais de 96 mil pacientes internados mostrou
que o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina em pacientes com o novo
coronavírus, mesmo quando associados a antibióticos, aumenta o risco de morte
nos infectados pela covid-19. É a maior pesquisa realizada até o momento sobre
os efeitos que essas substâncias têm no tratamento do vírus. A cloroquina é
defendida pelo governo Jair Bolsonaro como opção de tratamento, inclusive para
pacientes sem gravidade
“Nós fomos incapazes de confirmar qualquer benefício da cloroquina ou da
hidroxicloroquina em resultados de internação pela covid-19. Ambas as drogas
foram associadas à diminuição de sobrevivência dos pacientes internados e a um
aumento da frequência de arritmia ventricular quando usadas no tratamento da
covid-19”, conclui o estudo, liderado pelo professor Mandeep Mehra, da
Escola de Medicina de Harvard, e publicado anteontem na revista científica The
Lancet.
A pesquisa foi realizada com pacientes de 671 hospitais em seis continentes,
internados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril deste ano. Das 96.032
pessoas analisadas, 14.888 foram tratadas com alguma variação ou combinação da
cloroquina nas primeiras 48 horas de internação.
Entre os pacientes do grupo de controle, ou seja, que não tomaram nenhuma das
drogas, a mortalidade foi de 9,3%. Entre os que tomaram a hidroxicloroquina
sozinha ou combinada com um antibiótico, o porcentual de mortos foi de 18% e
23,8%, respectivamente. Já entre os que tomaram a cloroquina, a mortalidade foi
de 16,4% e, nos casos em que o remédio foi administrado com antibióticos, o
índice subiu para 22,2%.
Na quarta-feira, o Ministério da Saúde divulgou um documento em que defende o
uso da hidroxicloroquina para todos os pacientes com covid-19, mesmo os com
sintomas leves da doença. Embora não haja comprovação científica da eficácia do
medicamento contra a doença, o ministério alegou, no documento, que não tem
poder de diretriz, que o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou
recentemente que médicos receitem a seus pacientes a cloroquina e a
hidroxicloroquina.
Confrontado sobre o novo estudo, o ministério afirmou que acompanha mais de 40
pesquisas clínicas envolvendo medicamentos para tratar a covid-19 e não quis
comentar os resultados. Em nota, a pasta se limitou a dizer que “com base
em estudos existentes e parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), além de
experiência da rede pública na utilização da cloroquina, cumpre o princípio da
equidade ao dar oportunidade de todos os brasileiros, com seus médicos,
buscarem a melhor opção de tratamento contra o coronavírus”. Fontes do
ministério dizem que ninguém acredita que a orientação do governo mudará com a
publicação do novo estudo.
Também procurados pela reportagem, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a
Associação Médica Brasileira (AMB) não se pronunciaram sobre possíveis
implicações do novo estudo nas recomendações brasileiras sobre o uso do
remédio. O CFM disse “estar acompanhando todos os trabalhos científicos
relevantes relacionados ao tratamento da covid-19, dentre eles este publicado
pela The Lancet.” Já a AMB afirmou que ainda está analisando o estudo.
Para Fernando Bacal, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia,
embora sejam necessárias mais pesquisas sobre o uso do remédio em pacientes com
quadros leves, o estudo da The Lancet traz mais um alerta sobre os riscos da
utilização indiscriminada da medicação. “Ele reforça nossa recomendação de
utilização desse medicamento só dentro de protocolos de pesquisa”,
afirmou.
OMS
Ontem, o diretor do programa de emergências da Organização Mundial da Saúde
(OMS), Michael Ryan, voltou a desaconselhar o uso da cloroquina no tratamento
de pacientes do novo coronavírus “Sabemos que o governo (brasileiro)
aprovou o uso mais abrangente da cloroquina, mas, de acordo com as revisões
sistemáticas da OMS, as evidências clínicas não apoiam o uso para tratamento da
covid-19. Não antes que tenhamos resultados dos estudos em andamento”,
disse. (Colaborou Guilherme Bianchini, Especial Para o Estado)
Cloroquina amplia risco de morte, diz estudo
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