Coluna Livre com Hermano Henning

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Com o objetivo de levar aos brasileiros uma “revista eletrônica” inédita na TV brasileira, a Globo colocou no ar num domingo no distante ano de 1973 um programa às oito da noite para trazer na voz de Cid Moreira “jornalismo, denúncia, esporte, humor e dramaturgia”. Era a receita saída da cabeça de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

O nome “Fantástico” surgiu de estalo: o “Show da Vida”. Seriam reportagens “fantásticas” feitas ao redor do mundo compradas das redes americanas e europeias e aproveitando material produzido ainda em filme de cinema pelo repórter Hélio Costa.

Costa, pinçado da rádio Voz da América, emissora do governo americano, tinha jeito pra coisa. Suas reportagens ficaram célebres. De voz grave e pausada foi o repórter brasileiro que mais anunciou ao país a cura de vários tipos de câncer. Na verdade, a gente sabe, muitos deles sem cura até hoje.

Foi o Fantástico que descobriu as matérias médicas. Essas sempre rendiam. Chegava-se com elas a hoje impossíveis setenta pontos de audiência!

Trabalhei no Fantástico durante os anos que permaneci no exterior como correspondente e senti o desafio de seu diretor na época, José Itamar de Freitas, em encontrar “algo fantástico” para ir ao ar todo final de semana. O saudoso José Itamar era craque em transformar o arroz com feijão em algo espetaculoso pra encerrar o programa. Quando não era possível, apesar de todos os esforços e truques, lançava-se mão de um clip de Roberto Carlos. A audiência continuava lá em cima.

Na grade da Globo nenhum outro programa resistiu tanto.  

O Fantástico de um desses domingos voltou à velha receita de Boni: explorar a emoção. Mas foi além.

Numa reportagem dentro de um presídio, a edição caprichou no longo silêncio que se seguiu à declaração do transexual Suzy, o presidiário Rafael Tadeu de Oliveira, dizendo que não recebia uma visita nos últimos oito anos. O entrevistador, médico Drauzio Varella, suspirou, esperou um tempo, e emendou: “solidão não é minha filha?” “Bastante”, responde Suzy, “bastante”. Vem um novo silêncio. E segue-se um longo abraço. Emoção pura e fartamente explorada.

Só que o médico não perguntou por que Suzy estava preso. Em nenhum momento. Ou, se perguntou, como faria qualquer repórter, a edição deixou de considerar. Pior.

A Globo não revelou que Suzy cumpre pena de trinta anos por estupro e homicídio triplamente qualificado de um garoto de nove anos. Sonegou a informação.

Drauzio Varella se defendeu. Disse que não é juiz. É médico. Devia ter dito: é médico, não jornalista.

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