Como celebrar sem abraços, risadas altas e conversas à mesa? Até semanas
atrás, ao menos para os mais otimistas, as festas de fim de ano pareciam um
pontinho de esperança para encerrar este 2020 tão difícil. Mas não deve ser
assim, ao menos não para todos. As taxas da covid-19 estão subindo e têm
motivado discussões (pessoais e públicas) sobre cancelamentos e adaptações dos
planos para o Natal e ano-novo.
Essa mesma dúvida é compartilhada pelo mundo. Na última semana, Maria Van
Kerkhove, porta-voz da Organização Mundial de Saúde (OMS), disse que “em
algumas situações, a difícil decisão de não ter uma reunião familiar é a aposta
mais segura”. Lideranças nacionais também já se manifestaram sobre o tema.
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel anunciou que serão permitidas reuniões
de até dez pessoas (sem contar crianças) no Natal. O primeiro-ministro do
Canadá, Justin Trudeau, declarou que a celebração pode estar em risco se a alta
de casos não for contida, enquanto o premiê italiano, Giuseppe Conte, confirmou
que a data terá algumas restrições no País.
“Estamos voltando à aceleração de abril. A probabilidade de dispersão da
doença nesse período é muito grande. O risco agora para os grupos mais
suscetíveis vai ser muito pior no Natal”, destaca Marcelo Mendes Brandão,
pesquisador e professor de Ciências Biológicas da Unicamp. “O deslocamento
entre bolhas de segurança será o grande problema das festas de fim de
ano.”
O problema também envolve as próprias características de celebração da data.
“Natal é todo mundo em casa, com abraço, estoura espumante. Uma pessoa
diz: ‘Experimenta aqui’, pega o próprio garfo e dá para outra. Não faltam
estudos mostrando que uma pessoa pode transmitir para 4, 5, 6 sem máscara em
até 1 metro”, comenta. “A própria ideia de Natal, de se compartilhar
o ambiente, de se compartilhar com pessoas, neste ano está uma coisa estranha,
parece que o Natal virou uma coisa errada”, lamenta.
Adaptações
De São Paulo, a turismóloga Rafaela Maurer, de 26 anos, passará o Natal pela
primeira vez separada da família, que decidiu não repetir neste ano a
tradicional reunião anual. “Como aumentou muito os números da pandemia, a
gente decidiu não passar juntos ” Cerca de 20 pessoas de três gerações
participam sempre da celebração. “Muitas pessoas são do grupo de risco.
Minha avó tem mais de 80 anos, minha mãe e meus tios são diabéticos,
pouquíssimos não estão no grupo de risco. A família vai se reunir nos núcleos,
entre quem mora junto”, conta. Além disso, ela também pensa em algumas
ideias para manter o vínculo na celebração, como a videochamada e enviar
presentes e comida para a casa uns dos outros.
Na véspera do Natal, Rafaela terá uma comemoração mais restrita, apenas com a
colega de apartamento – o que também deve se repetir no réveillon, época em que
costumava viajar. Já para o 25 de dezembro cogita se encontrar só com a mãe,
adotando protocolos de prevenção.
O professor Renato Barbosa, de 33 anos, também abdicou da companhia do seu
José, de 82, e da dona Luzia, de 70, seus pais, no fim de ano. Em Brasília
desde 2009 e natural de Campina Grande, na Paraíba, ele tomou a decisão pela
dificuldade de tempo e logística para se isolar após a viagem de avião. Seus
pais devem comemorar com os outros filhos que moram na mesma cidade, pois todos
estão trabalhando de casa e tomando medidas de prevenção. Já Renato talvez
passe o Natal com um dos irmãos, que mora na capital federal. Depois disso, vai
entrar em uma quarentena bastante restrita para passar a virada com a família
da afilhada.
“Em março, pensava que, por volta de setembro ou outubro, eu conseguiria
passar um mês na Paraíba. Mas o tempo foi passando e foi caindo a real”,
conta. “Agora estou voltando a fazer uma quarentena mais rigorosa. Tinha
parado um pouco, encontrado amigos.”
No caso da diretora escolar Luciana Demétrio, de 42 anos, de Charqueadas, no
interior gaúcho, a flexibilização na celebração do Natal será exclusiva para
receber a filha mais velha, que mora em Porto Alegre e está em home office.
“Quando começou a dar uma estabilizada, lá por setembro, a gente ficou
esperançoso de que daqui a pouco poderia se reunir. Ainda bem que não chegamos
a recuar.”
Tradicionalmente, a data reunia cerca de 15 pessoas na ceia da véspera e no
almoço do dia 25 de dezembro, tanto do lado dela quanto do marido. “Tinha
muita decoração, combinávamos de levar comida típica, cada um trazia um prato.
Também tinha um momento religioso, que, na minha família, todos iam na missa
antes.” Ela conta que ainda não sabem como vão fazer para se conectar no
dia “A gente ainda não combinou. Provavelmente, alguma live meia-noite.
Talvez a gente vá de máscara até a frente da casa para desejar feliz Natal de
longe.”
Já a servidora pública Glauciane Praxedes, de 45 anos, de Goiânia, passará as
festas com as filhas, o marido e a mãe, Janes, de 64 anos, que passou a morar
com ela temporariamente por causa da pandemia. Nos outros anos, a família
geralmente alugava uma chácara e eram três dias de festa, comilança, crianças
na piscina e brincadeiras. Mas ela ressalta que considera a decisão necessária.
“O Natal vai ser meio triste, mas estar com saúde é o mais importante.
Depois, teremos muitos momentos para comemorar, não só o Natal e o ano-novo,
mas os aniversários, os almoços de domingo. Estamos fazendo este sacrifício
agora para, depois, ter esses momentos.”
A principal preocupação é não expor ninguém. “Penso que o mais sensato é
se preservar para o próximo momento, sem se culpar de colocar alguém em risco,
porque é sempre uma incógnita depois, de quem contaminou quem. A gente se sente
um pouco responsável pelos nossos atos.”
Em casa, a celebração será precedida por um momento ecumênico. Católica, ela
fará uma oração, enquanto Janes, budista, entoará um canto. “Penso que o
momento celebração do Natal, do nascimento de Cristo, traz essa questão, de
renovar os laços familiares e afetivos. E a pandemia trouxe esse olhar mais
íntimo para a família, não só para bens materiais.”
Como reduzir a possibilidade de transmissão na ceia?
O primeiro ponto que precisa estar claro ao se falar da celebração de Natal e
de ano-novo na pandemia da covid-19 é que sempre existe um risco de
contaminação. O que se pode fazer é minimizá-lo por meio da adoção de
protocolos. “Não existe nenhuma forma de um evento com várias pessoas que
estão convivendo em ambientes diferentes que não tenha nenhum risco”,
destaca Marcio Sommer Bittencourt, médico da Clínica de Epidemiologia do
Hospital Universitário da USP. “Basta uma pessoa infectada para infectar
todas as outras.”
Ele destaca que a decisão deve considerar principalmente cinco fatores: espaço,
número de pessoas, perfil dos participantes, duração e protocolos de segurança
aplicáveis. Isto é, deve-se dar prioridade a locais abertos e bem ventilados,
grupos pequenos, por tempo reduzido, com distanciamento social e uso de
máscara, preferencialmente a cirúrgica ou a N95.
Dentro disso, também se deve calcular os riscos de exposição ao misturar
pessoas que estão quarentenadas e as que estão trabalhando fora, que são de
núcleos distintos e, principalmente, entre aqueles que são idosos e têm
comorbidades.
Na sua conta, o especialista destaca que, idealmente, a ocupação deve ser de
até oito pessoas que vivam em até três endereços distintos. Na prática, a
celebração de menor risco de contágio significaria adotar o distanciamento
social e o uso de máscaras durante todo o período sem consumo alimentar.
Na hora da refeição, as pessoas seriam distribuídas em pequenas mesas
distintas, reunindo os moradores de um mesmo lugar em cada uma. “E um
evento único, só de noite ou só de tarde”, ressalta o médico.
Teste
Outra ação que pode ajudar a reduzir o risco é se submeter ao teste PCR na
véspera. “Se for negativo, o risco é menor. Mas nunca é zero”, comenta.
Em relação ao trajeto, ele recomenda ir de carro e apenas com as pessoas que
vivem no mesmo imóvel. “Se não puder (ir de automóvel) e precisar tomar um
ônibus ou avião, a primeira opção é repensar.”