Da Redação
Impulsionadas pelo boom do delivery – segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) o setor movimenta R$ 11 bilhões por ano no Brasil – as cozinhas invisíveis ganham cada vez mais força dentro do setor de alimentação. Seguindo a lógica de coworkings e de olho no aumento da procura, empreendedores criam espaços compartilhados com aluguel por hora, dia ou mês, nos quais donos de pequenos negócios optam por tocar toda ou parte de sua produção.
O conceito não é exatamente novo, mas surfa em tempos de economia compartilhada. Em alguns casos, as empresas vão além e oferecem cursos, treinamentos e mentoria para os restaurantes que as alugam.
Criada em 2019, a Ghost Kitchens tem três cozinhas em funcionamento na capital e atende empresas que vão do ramo de bufê ao de entregas, alugando espaço e equipamento. Para Leonardo Marigo, dono da empresa, o modelo tem apelo para restaurantes novos e tradicionais, principalmente em termos de investimento. “Para os clientes que querem criar uma marca e não têm ainda estrutura, o aluguel é uma forma mais barata de começar e dá a possibilidade de ‘desligar a chave’ caso o negócio dê errado”, explica. “Já as grandes marcas podem fazer testes em outras regiões da cidade ou do País sem muito investimento”, completa.
As cozinhas invisíveis, no entanto, não são procuradas apenas por empreendedores do mundo do delivery. Com três anos de atividade, a Hub Food Service é voltada para empresas alimentícias do e-commerce. O espaço conta com três cozinhas equipadas, que podem ser alugadas também para cursos de formação, treinamento e apresentação de novos produtos.
“Geralmente, nossos clientes são pessoas que estão começando e precisam testar a aderência do negócio”, explica a fundadora Diris Petribu. A maioria dessas produções, diz, nascem ‘em casa’, de forma artesanal, e são comercializadas online ou em feiras, empórios e supermercados.
Alugar o espaço por horas ou dias, acredita Diris, abate o alto custo fixo dos negócios do ramo. “O empreendedor, que antes teria gastos com investimento inicial, tem a possibilidade de operar imediatamente e, portanto, faturar mais cedo”, explica. “A vantagem que essas cozinhas oferecem é a de teste: o empreendedor vai fazer o protótipo dele aqui, testar os produtos, vendas, todo tipo de operação antes de sair investindo, alugando e comprando equipamento”, finaliza.
Licenciamento
Criada em 2019, a Mimic usa a base das cozinhas invisíveis para um novo tipo de negócio: o licenciamento de marcas já existentes e às vezes consagradas. O objetivo é atender regiões com pouca oferta de restaurantes, sempre por meio do delivery.
A startup tem cozinhas próprias, com câmaras frias e equipamentos industriais, mas o ‘aluguel’ funciona de outra forma. A empresa se responsabiliza por toda a operação dos restaurantes, da produção à entrega, pagando royalties para os estabelecimentos e assumindo os lucros. Até os canais de atendimento ao consumidor ficam sob a tutela da startup.
“No modelo de cloud kitchen, a ideia é muito voltada para a estratégia de aluguel. Mas, conversando com operadores de restaurantes, percebemos que a grande dor não era o espaço fixo, mas a complexidade de todas as operações do delivery”, explica o COO Jean Paul Maroun. “Entrega, logística, pesquisa e desenvolvimento são demandas que consomem um tempo muito grande”, diz.
Sócio e fundador da Mimic, Andres Andrade explica que o modelo também ajuda a reduzir a base de custo do empreendimento. “Nós temos um gerente para todas as marcas, uma pessoa responsável por fazer todas as compras. Com o compartilhamento, o restaurante consegue diluir quatro ou cinco operações”.
Formação
Se investimento em estrutura é um entrave para quem quer criar ou expandir um negócio, o setor de alimentação tem também desafios específicos, que vão desde o relacionamento com fornecedores a questões de legislação exigidas pela Anvisa, por exemplo.
Fundada em 2016, a Oficina da Mesa, na zona oeste de São Paulo, se apresenta como uma ‘cozinha compartilhada e empreendedora’. Além do aluguel, a empresa atua também como incubadora e oferecendo mentorias. A ideia surgiu de uma demanda pessoal. Dispostos a abrir um negócio de panificação, os sócios Edgar Aires e Jussara Alves tiveram dificuldades para tirar o plano do papel.
“Não encontrávamos um lugar que estivesse dentro da nossa necessidade, de aluguel por um dia na semana e de acordo com a legislação da Anvisa”, explica Edgar. “O projeto acabou adiado, mas ficamos com a ideia de criar um negócio que desse suporte a outras pessoas na mesma situação”.
Hoje, a Oficina, que já atendeu mais de 80 clientes, oferece “uma imersão para que empreendedores tirem suas ideias do papel”, explica Edgar. O programa conta com módulos de microbiologia, palestras de especialistas em temas relacionados ao setor e redes de parceria entre fornecedores, restaurantes e distribuidores.
“A questão da troca é fundamental”, explica Jussara. “A jornada de um novo negócio é muito solitária, um pequeno empreendedor acaba fazendo quase tudo sozinho: compra dos insumos, faz o produto e vende”, diz. “Em um espaço compartilhado, ele interage com outros empreendedores e tem até a possibilidade de integrar algumas etapas do processo”.