Um
inverno marcado pela pandemia de covid-19 derrubou o movimento nos
prontos-socorros infantis de São Paulo. Instituições habituadas a ter enfermarias
cheias de crianças com problemas respiratórios nos setores de nebulização,
nesta época de baixas temperaturas, registram queda de até 60% na procura por
atendimento nas unidades infantis.
“Há uma queda geral na procura por este
atendimento para as crianças”, resumiu o pediatra e infectologista Marco
Aurélio Safadi, presidente de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São
Paulo. De acordo com Safadi, a redução não ocorre somente porque as pessoas
estão evitando ir aos hospitais durante a pandemia. Segundo o pediatra, as
alterações no cotidiano dos pais, que passaram a ficar mais tempo em casa com
os filhos, cumprindo as recomendações de distanciamento social, e a
disseminação de hábitos simples de higiene, como lavar as mãos e usar máscaras,
também ajudaram a reduzir a contaminação das crianças para além da covid.
O dirigente da Sociedade de Pediatria, que vê
uma queda de 60% nos atendimentos nos PSs infantis, explica que o movimento
caiu principalmente em abril, época que normalmente registra o contrário, com
pico na procura causado pelas bronqueolites nas crianças.
No PS do Hospital Sírio-Libanês a queda é de até
25% no movimento no período, na comparação com os meses de verão.
“Não encontramos aumento no movimento nos
últimos meses. Permanece estável”, explica Christian Morinaga, gerente
médico do Pronto-Atendimento do Sírio-Libanês. O especialista diz acreditar que
o isolamento social e às aulas a distância podem contribuir para a queda.
“Isso diminuiu muito o número de infecções respiratórias em geral em
crianças e adolescentes”, argumenta.
Unidades do Hospital Israelita Albert Einstein
registravam movimento tranquilo no início da tarde da quinta-feira passada. Até
um painel do pronto-atendimento no site da entidade, que calcula o tempo para
as consultas, informava que, enquanto havia demoras de uma hora ou mais em
outras especialidades, a pediatria registrava acesso livre.
Para o médico Linus Pauling Fascina, gerente
médico do departamento materno-infantil do Albert Einstein, a redução na
procura por consultas pediátricas nestes meses tem relação direta com o fluxo
internacional de pessoas. Ele diz acreditar que a queda vai além da mudança na
rotina escolar no Estado, suspensa no primeiro semestre, principalmente a
partir da segunda quinzena de março. “Com as fronteiras fechadas, houve
menos circulação de vírus, e também, de bactérias associadas, entre os
países.”
Fascina alerta, porém, que o panorama das
doenças infantis é complexo e que ainda é cedo para análises conclusivas sobre
resultados, o que deve ser feito mais adiante com rigor científico. “Mas
há, sim, uma percepção de redução, coisa que vamos estudar bastante.”
Queda
A situação não é diferente na pediatria do
Hospital São Camilo. Segundo levantamento do hospital, todos os anos a chegada
do inverno leva a um incremento de cerca de 20% no atendimento de crianças. Os
dados da semana passada, porém, mostram outra realidade. Em 2020, o volume foi
80% inferior à média do mesmo período de 2019. Os motivos, segundo o São
Camilo, são: o fechamento das escolas, a menor circulação de diversos vírus e
bactérias, gerando redução de contaminação, não apenas de covid-19.
Dados do Hospital Municipal Menino Jesus, da
Prefeitura de São Paulo, mostram que a queda foi grande também na rede pública.
De acordo com o pediatra Antônio Carlos Madeira de Arruda, diretor do hospital,
o que ocorreu neste semestre foi uma novidade. “Nunca tinha visto uma
queda assim antes”, disse o médico. Ele explica que em março de 2019 o PS
do hospital atendeu 5.473 crianças; em 2020, foram 4.208. A queda foi maior em
abril: os atendimentos em 2019 foram 6 mil e, em 2020, caíram para 1.090. Ele
lembra ainda que em maio (2019) foram registrados 5.708 atendimentos e, no
último mês de maio, na pandemia, a procura desabou para 958 pacientes. E, por
último, em junho, os dados também mostraram queda: 2019, 5.222 casos; ante
1.215 (2020).
“No caso das crianças, eu acho que o motivo
maior foi a ausência da troca de vírus que ocorre entre elas nesta época do
ano”, disse o diretor do Menino Jesus. “A gente atendia 150, 200
crianças por dia e agora estamos aí com 35, 40 casos por dia”, explicou o
pediatra.
Apesar do menor risco, os pais precisam ficar
atentos. Uma criança que está prostrada, com falta de ar, febre acima dos 39
graus, não pode ficar sem atendimento médico, diz o pediatra Fernando Oliveira,
do Hospital Menino Jesus. “É normal que as pessoas sintam esse medo, mas
elas não podem abandonar tratamentos e precisam procurar atendimento.”
Rafael, de 8 anos, e Leonardo Raffa Perotti, de
11, já foram fregueses de ambulatórios médicos em outonos e invernos passados
Neste ano, foi diferente. “Só levei uma vez ao oftalmo, mas foi para uma
consulta de rotina”, conta a mãe, a publicitária Alexandra Raffa Perotti,
de 46 anos, que mora na Vila das Mercês, na capital.
Crianças em casa esvaziam PS infantil
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