A gestão João Doria (PSDB) avalia ter diante de si uma encruzilhada: fazer a reforma da Previdência municipal ou ver o Orçamento da Prefeitura de São Paulo ser tomado totalmente por gastos obrigatórios em cerca de sete anos.
Caio Megale, secretário da Fazenda, e Paulo Uebel, de Gestão, foram incumbidos pelo prefeito da missão de elaborar o projeto da reforma, já submetido à Câmara Municipal -a perspectiva deles é de que o texto esteja aprovado e sancionado até 31 de março.
O projeto tem três pontos principais: aumento da contribuição para os servidores (de 11% para 14%), uma nova Previdência pública com contas individuais para cada novo funcionário e um sistema complementar para quem ganha acima do teto de aposentadoria (R$ 5.645,80) do INSS.
A proposta é que o sistema de contas individuais (chamado de capitalização) seja obrigatório apenas para os funcionários admitidos depois da aprovação do projeto.
Para os secretários, que nesta terça (30) participarão do primeiro debate sobre o tema na Câmara Municipal, uma combinação de reformas das Previdências federal e municipal zeraria o deficit paulistano em 20 anos.
Sem isso, preveem que o problema na capital paulista pode se arrastar até 2059.
Pergunta – Por que a prefeitura está indo à rua para falar sobre a reforma da Previdência?
Caio Megale – A gente estava numa fase de diagnóstico em 2017. Mandamos o projeto à Câmara no final do ano passado para poder pautar já na retomada dos trabalhos. Ninguém não vê como um problema. Mesmo os sindicatos reconhecem que há algo que precisa ser reequacionado.
Como?
Megale – Há três alternativas: a primeira é cortar gastos em outro lugar: ajusta, aperta, ganha eficiência. A gente ouve muito isso: se houvesse gestão melhor da saúde, da varrição, sobraria dinheiro para pagar a Previdência. Outra é aumentar impostos ou contratar mais gente para aumentar as contribuições.
E a terceira é fazer a reforma como estamos propondo.
Nas outras duas opções os contribuintes financiam.
A questão é quem vai financiar, o contribuinte ou o servidor? Na nossa proposta, há uma parte para o servidor.
Como passar uma reforma impopular em ano eleitoral?
Paulo Uebel – A primeira estratégia é abrir os dados, colocar todos os números na mesa, não só para os sindicatos, que já tiveram acesso inclusive à base atuarial.
E envolver a sociedade, mostrando o “trade-off” (custo-beneficio). Só para cobrir o deficit de 2017 foram R$ 4,6 bilhões que tivemos que tirar de melhorias em creches, vagas em postos de saúde.
No momento em que a sociedade percebe esse trade-off, que tenho uma Previdência insustentável e tenho que tirar recursos que são fundamentais, isso pesa bastante.
Quando os vereadores forem votar o projeto, é preciso pensar que manter o sistema deficitário é continuar extraindo recursos da educação, da saúde. Esses R$ 4,6 bilhões são quase 10% do Orçamento de 2017, para beneficiar 0,08% da população [a prefeitura tem 122 mil funcionários ativos e 97 mil inativos e pensionistas]. É justo?
As pesquisas da prefeitura mostram que a população já entendeu essa troca?
Uebel – Não é fácil, é preciso repetir de forma enfática. As pessoas veem o Orçamento dividido em caixinhas, como se uma caixa não tivesse consequência na outra. Mas é um caixa só, e qualquer decisão implica em renunciar a investimentos em outras áreas.
Megale – Falta recurso para zeladoria, não é a política de zeladoria que tem problemas. Falta recurso para a cultura, para a segurança, para obras de drenagem. Parece que há problemas nessas áreas, quando na verdade isso é sintoma do problema central, que é a ocupação do Orçamento pela Previdência.
Mesmo aprovado o projeto, o Tesouro continuará tendo que cobrir o deficit. Por quanto tempo isso deve ocorrer?
Megale – Depende do federal. Se a reforma da Previdência federal for aprovada e nosso projeto também, o deficit zera em 20 anos.
Por que depende do federal?
Megale – Por causa da idade mínima.
Uebel – Na nossa proposta há gatilhos imediatos e outros que podemos ou não exercitar, como o aporte de imóveis. O projeto prevê, mas quantos serão aportados ainda será definido. No pior cenário, aprovando nosso projeto sem exercer todas as alavancas, seria 2059. Dando tudo certo, inclusive a reforma federal na íntegra, são 20 anos.
Os srs. trabalham com que prazo para a aprovação da reforma municipal?
Uebel – Até 31 de março. Já sancionada.
Já costuraram esse compromisso com a Câmara? Parece muito pouco tempo.
Uebel – Esse seria o ideal. Tem que ser no primeiro semestre com certeza, para não entrar no calendário eleitoral e, em vez de a discussão ser técnica, virar política.
Os professores no ano passado ficaram 17 dias em greve, pedindo aumento de salário mas também contra a reforma federal. Estão esperando novas greves?
Uebel – Há rumores de que pode haver greve. Temos conversado com os sindicatos. A estratégia é sempre mostrar os dados e que estamos corrigindo uma distorção e tornando o sistema sustentável em favor dos servidores. Estamos garantindo que eles não vão ter atrasos de pagamentos nem cortes de benefícios.
Sem essa reforma, quando a prefeitura chega a um momento em que a única opção é aumentar impostos ou cortar serviços?
Megale – Não gosto de fazer comparações com doenças, mas, se olhar para o país, o Brasil teve muitas crises cambiais e agora tem uma crise fiscal. Crise cambial é como um ataque cardíaco. De repente sofre um ataque e precisa fazer alguma coisa, senão pode morrer no dia seguinte. A crise fiscal é como um câncer, vai espalhando devagarzinho. Não dá para precisar um momento.
Nós temos quase 40% do Orçamento em temas da educação, de transporte escolar a merenda, uniformes, compra de materiais, reformas. É bastante coisa, e vai-se comprimindo ao longo dos anos.
Mas não é o que se tem que fazer, na verdade tem que proteger essas áreas. Na saúde, a mesma coisa, você pode fazer um pouco menos, ajustar ali, comprar menos remédios. Mas não é o que a gente quer fazer.
Em 2025, o deficit da Previdência deve chegar a 20% do Orçamento. Subsídios de ônibus são 15%. Por lei, tenho que despender 31% com educação e mais 15% com saúde, mas hoje estamos em 20%. Mais o pessoal da ativa”
Então em 2025 já acabou o recurso, passa de 100%. A saída é cortar subsídio dos ônibus?
Megale – Até lá dá para cortar o subsídio do ônibus, reduzir o gasto em saúde para os 15% constitucionais, flexibilizar a lei orgânica do município que leva a 31% o gasto com educação. Nada disso é desejável. A gente não quer cortar dinheiro da educação ou da saúde. Dá para ganhar eficiência nessas áreas? Dá, claro, mas estamos falando de quatro linhas de Orçamento: Previdência, educação, saúde e transporte. E todo o resto? É para isso que estamos chamando a atenção.
O prefeito chegou a falar que a reforma da Previdência não afeta ninguém. Estava falando do 0,08% da população que representa os servidores?
Uebel – Não sei o contexto da fala dele, então é difícil saber. Mas acho que ele quis dizer que não afeta o cidadão não servidor, mas os benefícios com certeza vão ser para toda a sociedade.
Megale – Naturalmente a gente reconhece que os servidores estão trabalhando pela sociedade. Não é que eles sejam completamente desligados, desconectados do resto da cidade. O Orçamento se destina a eles por uma razão, a cidade está contratando essas pessoas para fazer a gestão da cidade. Há uma lógica aí, mas o que está ficando mais claro é que essa lógica está muito desequilibrada. Faz sentido ter a contribuição patronal, e faz sentido ir um pouco além porque a mudança demográfica suspendeu a todos. Faz sentido todo mundo contribuir um pouco mais.
(Folhapress)
Foto: Danilo Verpa/Folhapress