Um escritor é um depósito de memórias. As suas, de sua infância, de suas experiências, de seu contato com o outro, mas também aquelas memórias já sedimentadas e disponíveis na literatura universal.
Quem é que dispõe de tal acervo de informações? Todas as pessoas. Até crianças, cultivam lembranças. Guardam impressões que podem ser reproduzidas pela linguagem.
Nestes tempos de confinamento, muitas pessoas conseguem manter o equilíbrio anotando sensações, rememorando episódios e retratando personagens. É a fórmula encontrada para sublimar a falta de contato físico, o confinamento forçado e imposto aos mais vulneráveis.
Tem-se lido muita coisa que brotou nesses meses de um 2020 que talvez fosse melhor não existisse. Ou que teria de ser devolvido à humanidade. O réveillon de 31 de dezembro deveria voltar ao 2020 que nós achamos que merecíamos. Mas o subproduto saudável é essa literatura produzida por aqueles que escrevem como respiram. Quem escreve compulsivamente sequer sabe responder o motivo pelo qual escreve.
Uma das preocupações da retomada está justamente na interrupção das aulas convencionais. Noticia-se que no Brasil a paralisação foi maior e também mais intenso o prejuízo daí resultante. Não só no aprendizado de crianças e jovens, mas com reflexos duradouros na economia.
Algo que não custa fazer é pedir para as crianças, enquanto fora da escola, descrevam a experiência deste período. Redigir vários textos, com as lembranças mais agradáveis, os planos e projetos para depois da peste, o que mais custou ou demandou sacrifício e o resultado dessa passagem que um dia acabará.
Não apenas as crianças devem ser estimuladas à escrita. Os adultos também. Os idosos idem. Estes, inclusive, têm mais coisas para contar. E o registro da memória oral, agora convertida em escrita, é um remédio para a preservação de valores, de tradições, de hábitos e de cultura que o atropelo da profunda mutação imposta pela tecnologia tentam sepultar.
Escrever, portanto, é remédio para qualquer idade. Sua contraparte é a leitura, mergulho no depósito de memórias alheio, que tão bem faz à nossa saúde mental e acalenta a nossa alma.
José Renato Nalini
Desembargador, reitor da Uniregistral, palestrante e conferencista