Recepcionistas e camareiras de máscara e protetor
facial. Termômetro de infravermelho no check-in. Café da manhã à la carte ou
então servido no quarto. Grupos pequenos na visita a atrações. Com esse
cenário, a Serra Gaúcha está reaberta aos viajantes. Hotéis, parques e atrações
de Gramado e Canela estão autorizados a funcionar com restrições. O fim de
semana do Dia das Mães foi o primeiro da nova fase, com exigências como a ocupação
máxima de 50% na hotelaria. No Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves já havia
feito esse movimento em meados de abril. A retomada do turismo, em meio à
pandemia de coronavírus, divide opiniões entre os especialistas em saúde
ouvidos pelo Estado. Mas, em um aspecto, todos concordam: a decisão envolve
risco, em algum grau
“Não dá para dizer que é uma medida segura
ainda. É uma aposta de alto risco. A disseminação do vírus é muito forte”,
afirma Fernando Aith, professor titular do Departamento de Política, Gestão e
Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
“Tem uma agonia muito grande para uma reabertura econômica. A nossa
política de combate à epidemia está capenga e, já que não tem horizonte, as
pessoas vão se agoniando e acabam dizendo ‘vamos sair logo do isolamento’. Isso
só é possível face à falta de gestão do sistema pelo Ministério da Saúde”,
diz Aith.
Ainda que as cidades gaúchas não tivessem
autorizado o retorno do turismo por decretos municipais, a reabertura de hotéis,
agências e atrações seria possível na serra desde 11 de maio, quando entrou em
vigor o distanciamento controlado estabelecido pelo governo do Rio Grande do
Sul. A região ficou com bandeira laranja, que permite essas atividades com
restrições. A nova estratégia de combate ao coronavírus prevê a revisão semanal
para decidir se intensifica ou flexibiliza o isolamento em cada área.
“Esse discurso cabe para uma reabertura local. Mas, para turismo, é muito
precipitado. Eles podiam esperar duas ou três semanas”, observa Aith.
No distanciamento controlado, o Estado foi
dividido em 20 regiões, que ganham bandeiras coloridas, com protocolos
obrigatórios (entre eles, o uso de máscara) e critérios a ser seguidos pelos
vários setores econômicos. “Os gestores municipais podem, a seu juízo,
adotar medidas mais restritivas àquelas previstas pela bandeira da sua
região”, afirma a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão
(Seplag), Leany Lemos, que coordena o Comitê de Dados e tem participação direta
na construção do modelo de distanciamento controlado. “O governo estadual
vai auxiliar os municípios na fiscalização do cumprimento de protocolos
obrigatórios, inclusive do distanciamento de dois metros no caso de atrações
turísticas.” A estratégia leva em conta 11 indicadores relacionados à
velocidade de propagação da covid-19 e à capacidade do sistema de saúde.
Segundo dados de 14 de maio, às 9h05, dos 1.709 leitos de UTI adulta no Estado,
1.260 estavam ocupados – 124 por pacientes de coronavírus.
Leany explica que o governo desenvolveu o modelo
“com base em critérios de saúde e de atividade econômica, sempre
priorizando a vida”. “O modelo se caracteriza por um pacto com a
sociedade, pois, quanto maior a adesão das pessoas, mais ficarão protegidas e
mais longe estaremos de um eventual colapso dos serviços hospitalares”,
afirma.
Maria Eugênia Bresolin Pinto, professora de
Medicina de Família e Comunidade da Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre (UFCSPA) e coordenadora de educação do Hospital Moinhos de
Vento, pondera que o cenário no Rio Grande do Sul é diferente do resto do País.
“A pandemia não é uma coisa só no Brasil inteiro. Aqui, a gente conseguiu
achatar a curva por um período mais longo. Não tinha nenhuma morte quando
começamos o isolamento.”
Na Serra Gaúcha, pela classificação do governo,
podem funcionar hotéis com até metade dos quartos e agências de turismo com no
máximo 25% dos funcionários. Restaurantes à la carte podem trabalhar com até
50% dos empregados – refeições em bufê seguem proibidas. Lojas de centros
comerciais e shoppings podem abrir com metade da ocupação e dos funcionários.
Para Alcides Miranda, professor do curso de
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), há um
risco de sobrecarga do sistema de saúde. “As duas últimas semanas nos dão
incremento intensivo de casos e complicações porque houve um afrouxamento nas
medidas de distanciamento, com discursos como o do governo federal, motivando
milhões de pessoas a se exporem ao risco”, diz o médico.
No meio de abril, a ocupação de leitos de UTI na
Serra Gaúcha era de 60% e atualmente fica em torno de 70%, segundo dados do
governo do Rio Grande do Sul. “Essas medidas (de afrouxamento) têm de ser
em outro momento. É um risco muito grande abrir o turismo agora em Gramado”,
acredita Miranda.
O professor da USP explica que, ao abrir uma
cidade para o turismo, tanto moradores quanto visitantes ficam mais expostos à
contaminação. “O ponto central da prevenção é a pessoa ter poucos contatos
sociais. O que é contra o turismo. Com a abertura para visitantes, eles não só
não estão reduzindo o risco de interações sociais, como estão estimulando essas
interações, e com gente que vem de fora”, explica. “Inclusive é um
risco entre hóspedes. A pessoa veio de uma área sem problema e acaba contraindo
e levando de volta para casa, o que pode piorar a vida em outros lugares.”
Precauções. Abrir o turismo de Gramado causa
insegurança pela chance de levar para a cidade um problema que não existia?
“O medo claro que existe um pouco. A gente não viu nada acontecer aqui.
Foram só duas turistas que vieram de São Paulo e ficaram em quarentena no
início (da pandemia)”, diz Flaviana Yamaguchi Laghetto, gerente de
Marketing da Rede Laghetto Hotéis, se referindo aos únicos casos de covid-19 confirmados
em Gramado.
“A gente está tomando todos os cuidados
para que isso (coronavírus) não venha para cá. Quando um hóspede desocupa um
quarto, a gente deixa 72 horas vazio antes da entrada de outro.” Apenas um
dos dez hotéis da rede na cidade funcionou no fim de semana de reabertura;
hoje, mais dois entram em atividade. “A procura começou a aumentar”,
diz Flaviana. “Nesse fim de semana, tinha bastante gente de Santa
Catarina, de carro, e teve um casal que veio de São Paulo, de avião.”
No Ritta Höppner, as malas são higienizadas
antes de serem levadas para o hotel. “Quanto ao restaurante e ao café da
manhã, estamos usando a mesa sem toalhas, de forma que podemos, a todo uso,
fazer uma higienização completa com álcool em gel”, diz Adriana Höppner,
diretora do empreendimento. Das 34 acomodações, o hotel abriu 14 – apenas os
chalés, em meio ao jardim.
Entre as adaptações para reabrir em 5 de junho,
o Snowland, parque de neve de Gramado, definiu que haverá aulas de esqui e
snowboard só em dias predeterminados. “Temos de fornecer a roupa de neve
com luvas. Elas serão entregues em embalagens individuais invioláveis. A mesma
roupa não será reutilizada antes de ser lavada e passar pela secagem a 45
graus”, afirma o diretor executivo Paulo Mentone.
Na Bondinhos Aéreos de Canela, cada cabine, para
até oito pessoas, só leva integrantes da mesma família e fica parada mais tempo
na plataforma – assim, não é preciso dar a mão a um atendente. “As janelas
dos bondinhos permanecerão abertas para circulação de ar, e eles serão
desinfetados frequentemente”, diz Mateus Scain, gerente da empresa.
Regional. Sempre nas listas de destinos mais
visitados do Brasil, Gramado tem cerca de 85% de sua economia proveniente do
turismo e tem São Paulo e Rio de Janeiro entre seus principais emissores de
viajantes, mas aposta, agora, nos visitantes que vêm de carro de cidades
próximas ou de Santa Catarina. “Enquanto a malha nacional não estiver
regularizada, Gramado tem de trabalhar o turismo de vizinhança”, diz o
prefeito da cidade, João Alfredo Bertolucci.
Em Gramado, entre outros eventos, o Festival de
Cinema e o Natal Luz estão previstos para serem realizados no segundo semestre.
O mesmo ocorre com o calendário de Bento Gonçalves. Na região, vinícolas como a
Miolo recebem visitantes em grupos de até dez pessoas, e a agência Giordani já
vende passeios de maria-fumaça em junho.
“O pico (do coronavírus) vai passar, mas a
contaminação vai continuar. Essa nova prática, de higienização dos ambientes,
vai precisar fazer parte daqui para frente”, diz o prefeito de Bento
Gonçalves, Guilherme Pasin. Para certificar quem cumpre os requisitos de
higiene, a cidade lançou o selo Ambiente Limpo e Seguro e está agora na fase de
capacitação das empresas.
É hora da volta do turismo?
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