Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de
vereador no domingo passado, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto, segundo
levantamento do Estadão. A ausência de votos e o fato de nem a
candidata ter votado nela mesma provocaram suspeitas de que essas mulheres
tenham sido usadas como “laranjas” para que partidos pudessem driblar
a lei e cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas. Parte delas recebeu R$
877 mil do fundo eleitoral, dinheiro público usado para financiar gastos de
campanha.
A verba na conta de mais de 500 candidatas causa
estranheza, já que todas tiveram desempenho pífio nas urnas, e pode ser mais um
indício do “laranjal partidário”, com o lançamento de concorrentes
“de fachada”. Desde 2018, partidos devem destinar, no mínimo, 30% do
fundo eleitoral para campanhas femininas. Quem não cumprir a regra pode ter as
contas rejeitadas, os repasses suspensos e ser obrigado a devolver o dinheiro.
Em Vargem Grande Paulista, interior de São
Paulo, a candidata Marjory Piva teve apenas um voto, mas recebeu R$ 17 mil do
Republicanos. Não declarou nenhuma receita à Justiça Eleitoral. O presidente
municipal da legenda, vereador Zezinho Tapeceiro, disse que Marjory teve um
problema pessoal e desistiu de concorrer. “Ela não é candidata laranja, porém
ela teve de desistir e esse recurso dela está sendo todo devolvido”,
afirmou
Em Santa Rita, na Paraíba, Edivania Carneiro
viveu situação semelhante: recebeu R$ 15 mil do fundo eleitoral do PSL, mas
obteve apenas um voto. Marjory e Edivania foram as mulheres que mais ganharam
verba do fundo eleitoral de seus partidos. Há indícios de que as duas tenham
sido “laranjas”.
Francielle Avila (PSD), candidata em Espigão
Alto do Sul (PR), conseguiu R$ 10 mil do partido e, segundo sua prestação de
contas, gastou R$ 7 mil com material de campanha. Em sua página do Facebook, no
entanto, não há qualquer menção à candidatura, mas, sim, à do postulante a
prefeito pelo PSDB, Hilário Czechowski. A reportagem não conseguiu contato com
a candidata ou com a direção municipal do PSD.
Em Cabo Frio, no Rio, a comerciante Rita das
Empadas (PSL) recebeu R$ 10 mil do fundo eleitoral na disputa por uma cadeira
na Câmara Municipal, mas teve um voto. “Todo mundo me conhece em Cabo
Frio, muita gente falou que ia votar em mim. Mas, na hora, só tive um
voto”, disse Rita ao Estadão. O comando nacional do PSL informou que cada
candidato teve de emitir um recibo, comprovando o recebimento dos recursos.
“No caso das candidatas mulheres, estas ainda tiveram que assinar uma
carta, de próprio punho, afirmando que estavam se candidatando por livre e
espontânea vontade”, declarou o partido, em nota.
Questionada se foi “candidata
laranja”, Rita respondeu: “Tá ficando doido? Eu sou uma mulher
responsável, não sou candidata laranja, não. Tive vários santinhos, eu
panfletei. Não tenho culpa se meus votos sumiram ou não votaram em mim”.
O mapeamento do Estadão também identificou que,
na lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto, predominam candidaturas de
pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%.
Raça
O fato vem na esteira de decisão do Supremo
Tribunal Federal, que determinou o critério racial na destinação de recursos
para financiar candidaturas. Os partidos são obrigados a dividir os recursos do
fundo eleitoral, que alcançou R$ 2 bilhões, segundo a proporção de negros e
brancos de cada sigla.
“O expressivo número de candidaturas
femininas sob suspeita de serem fictícias revela que ainda há nas estruturas
partidárias resistência à inclusão das mulheres”, disse a advogada Maria
Claudia Bucchianeri, da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da
OAB. “As eleições de 2020 ainda trazem outro número preocupante, a
sensível concentração dessas supostas candidaturas fake entre negras. Há,
portanto, dupla recusa de inclusão: a de gênero e a de raça”, completou
ela.
Eleições 2020: 6,3 mil mulheres recebem um ou zero voto na eleição
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