Alana
tem 16 anos e mora em Terra Boa, no Paraná. Ela parou de estudar porque teve
dificuldade de aprender com as videoaulas e por ter apenas um celular de baixa
qualidade. Em São Paulo, Gabriel, de 20, interrompeu o cursinho. Precisou se
dedicar mais ao trabalho e ajudar nos cuidados do pai, diagnosticado com
câncer. Para eles, dar essa pausa nos estudos não foi questão de falta de
vontade. O que faltou mesmo foi condição para seguir em frente.
Em todo o Brasil, cerca de 44 milhões de crianças e adolescentes deixaram as
salas de aula em decorrência do novo coronavírus, segundo dados do Unicef. Dos
que estavam matriculados antes da pandemia, 4 milhões não conseguiram continuar
as atividades em casa.
Estima-se, ainda, que pelo menos 4,8 milhões de crianças e adolescentes em todo
o Brasil não têm acesso à internet em suas residências, enquanto outros milhões
têm acesso precário ou sofrem com falta de equipamento. É o caso de Maysla, de
19 anos, que vinha se esforçando para acompanhar pelo celular as aulas do
cursinho. Agora, no entanto, o telefone quebrou. Não deu mais para continuar.
Uma pesquisa do Datafolha encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e
Imaginable Futures investigou o cotidiano de estudos em casa de alunos das
redes pública municipal e estadual no Brasil. A parcela de estudantes desmotivados,
na percepção de pais ou responsáveis, subiu de 46% em maio para 51% em julho.
Também aumentaram as dificuldades para manter a rotina. E agora um número maior
de pais teme que os filhos desistam da escola – porcentual foi de 31% para 38%.
Por trás desses números, estão as histórias de Alana, Gabriel, Maysla, João e
Marina, que o Estadão conta a seguir.
Alana, 16 anos. Antes da pandemia, tudo ia bem. O entendimento das matérias era
bom e as notas, perfeitas. A dedicação de Alana Vitória Conceição Ferreira era
total. Afinal, já tinha perdido dois anos de estudo, durante o período em que
foi praticamente casada com um rapaz que não a deixava ir à escola. Ela faz
parte do grupo de 6,4 milhões de meninas e meninos que antes da pandemia já
estavam atrasados dois ou mais anos, segundo o Unicef.
Para resgatar o tempo perdido, ela se matriculou em um supletivo Queria
terminar os últimos anos do ensino fundamental e seguir para o médio. Foi
quando veio a pandemia. E com ela a dificuldade de aprender pelo celular.
“Não tem como conseguir estudar direito numa videochamada”, relata a
jovem, que mora em Terra Boa (PR), município com 17 mil habitantes.
“Quando é em sala, a gente tem ajuda do professor. Na minha escola, é só
aula no YouTube.”
Quando ocorreu a transição do presencial para o virtual, a escola ofereceu
algumas possibilidades: criou um grupo para as atividades, usou um app para as
aulas online e deixou o espaço físico aberto para que os alunos pudessem ir
buscar o material didático impresso.
Apesar dos esforços, as barreiras foram aumentando. O celular é o único
equipamento que poderia ajudá-la com o estudo, mas a baixa qualidade impediu o
prosseguimento das aulas. Faz cerca de um mês que ela não acompanha mais as
classes.
A mãe da jovem, Cristiane Conceição de Azevedo Ferreira, de 45 anos, está
desempregada e se entristece com a situação. “Eu ficava do lado dela,
escutava as aulas, mas o duro é entender tudo aquilo”, diz.
Alana diz que está decepcionada e sem saber como será seu futuro “Para
arrumar um serviço, você precisa do estudo. Mas não dá só para ter força de
vontade”, conta a jovem, que pretende voltar às aulas.
Gabriel, 20 anos. Depois de terminar o ensino médio, em 2017, Gabriel Nunes não
sabia muito bem o que fazer para dar seguimento aos estudos. Há tempos, vinha
trabalhando no negócio da família, um pet shop na zona leste da capital
paulista. No ano passado, se inscreveu para o processo seletivo do Cursinho
Popular da EACH/USP, que prepara jovens para o vestibular. “Comecei a
fazer à noite. Gostei do material, do pessoal. Eu trabalhava, minha vida era
corrida, mas saía mais cedo e conseguia estudar.”
Com a pandemia, no entanto, ficou difícil acompanhar as aulas online. O
trabalho passou a exigir mais e o pai, já de idade, foi diagnosticado com
câncer de próstata. Gabriel teve de desistir. “Nem saí dos grupos. Sempre
que dá, tento ver alguma coisa. Mas é quase impossível acompanhar.”
Apesar da tristeza e de saber o quanto é complicado para o futuro ficar sem
estudar, ele acabou se conformando. Resolveu descartar a prova do Enem nesse
ano. Quando as aulas voltarem a ser presenciais, Gabriel afirma que estará lá
para seguir em frente. É uma promessa.
Maysla, 19 anos. O objetivo para 2020 era fazer o cursinho preparatório da USP,
a prova do Enem, o vestibular e, no ano seguinte, entrar para a faculdade de
Psicologia ou de Design de Interiores. Havia um roteiro e o sonho parecia logo
ali, mas teve uma pandemia no meio do caminho. “Sempre tive dificuldade
para estudar sozinha e não tenho muito acesso, não tenho computador. As aulas
online começaram em março, conseguia fazer pelo celular, mas agora ele está
quebrado e só algumas vezes consegui entregar atividades”, conta Maysla
dos Anjos Araújo, que mora em Artur Alvim, zona leste de São Paulo.
A equipe do cursinho se esforçou para que ela permanecesse estudando, mas não
deu para ir adiante. Com os sonhos em mente, a jovem pretende fazer o Enem para
testar seus conhecimentos. O objetivo mais urgente, no entanto, é conseguir um
emprego. E, depois, com renda própria, quer voltar a fazer cursinho e
“quem sabe entrar na faculdade”.
João, 14, e Marina, 15. Quem fala pelos adolescentes é a mãe deles, a técnica
de enfermagem Raquel Bueno dos Anjos, de 35, que deixou o emprego em junho para
dar conta de cuidar dos três filhos – o caçula, Vitor, tem 2 anos.
O menino mais velho está no 7º ano do fundamental em uma escola municipal de
São Paulo enquanto a menina cursa o primeiro ano do ensino médio em uma
instituição estadual.
Com a renda familiar diminuída, Raquel precisou reduzir o pacote de internet, o
que tornou as aulas online mais difíceis. A qualidade da rede também não é boa
no bairro Vila Industrial, zona leste da capital paulista. “O Zoom
dificilmente carrega, cai toda hora. Tenho um notebook antigo e um celular que
teria de servir para os dois mais velhos”, diz a mãe.
Além das dificuldades de equipamento e de acesso, a saúde de Marina, que sofre
com crises de ansiedade, piorou. “Ela chorava o dia inteiro, eu ficava
nervosa e virava uma bola de neve tudo aquilo.”
O resultado é que os dois adolescentes interromperam os estudos. “Nenhum
deles está fazendo aula online desde a quarta fase de atividades.” Raquel
acredita que este será um ano perdido para a educação dos filhos. Com medo do
coronavírus, ela não pretende enviar os filhos para o colégio, caso as aulas
voltem a ser presenciais.
Autodidatismo
No interior do Rio Grande do Norte, Johab Fidélix, de 19 anos, enfrenta sinal
telefônico ruim e internet de má qualidade para estudar minimamente e concluir
o terceiro ano do ensino médio. Quando consegue acesso, a conexão é lenta e
falha a cada minuto
“Está sendo muito difícil participar das aulas online. Estou tentando me
virar como posso com livros da escola daqui. Às vezes, vou na escola do fundamental,
pego livros do oitavo ou do nono ano para revisar. Também utilizo os livros que
recebi do terceiro ano. Quando dá, assisto a videoaulas no YouTube e por aí
vou, tentando para não ir tão mal no Enem.”
A escola onde estuda fica em Touros, a 21 quilômetros de onde mora, no distrito
de Cana Brava. Antes da pandemia, Johab ia para a escola de ônibus. “Não é
que eu parei de estudar, mas parei de tentar interagir com a turma nas aulas
online, porque quebrava muita a cabeça tentando achar internet. Estou sendo
autodidata.”
Já na capital Teresina, no Piauí, a jovem Francisca Andreia da Costa Ferreira,
de 17, passou três dias sem acompanhar as aulas online logo que a escola deu
início a esse modelo. Como estudar dessa forma se não havia internet em casa,
na zona rural da cidade? O jeito foi acordar cedinho todos os dias para
percorrer 2 quilômetros a pé até a casa de um tio que disponibilizou a conexão.
Pelo menos, o percurso era bem menor do que os 50 quilômetros entre a casa dela
e a escola.
Após um tempo, a mãe de Francisca conseguiu instalar internet em casa, mas nem
todos os problemas estavam resolvidos. “No início foi muito difícil, quase
que a gente desiste, mas aí eu pensava que não podia desistir”, diz a
jovem, que está no último ano do ensino médio.
A escola também forneceu material impresso para quem não podia acompanhar pela
internet. “Não está sendo fácil, até porque não estamos acostumados a isso
dentro de casa, sozinha, sem professores.”
Os docentes, por sua vez, adotam métodos diferentes de acordo com as
ferramentas que possuem. Alguns conseguem dar aulas ao vivo. Outros ensinam
apenas em vídeos gravados. Francisca planejava cursar Medicina, mas já pensa em
outra possibilidade porque acha que será difícil passar em um curso tão
concorrido. “A cada dia os planos só mudam, é uma incerteza que a gente
tem “
Gerente do programa Jovem de Futuro do Instituto Unibanco, Maria Julia Azevedo
confirma a observação da adolescente sobre os desafios enfrentados pelos
docentes. “O que a gente vê é um porcentual pequeno de professores que
tinham domínio do uso de tecnologias”, conta Maria Julia. “Isso gerou
desafio enorme e os professores tiveram um nível de dificuldade para conseguir
sustentar a conexão com estudantes.”
O programa que ela gere atua com as secretarias de Educação de seis Estados:
Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo.
“O movimento das secretarias foi gerar conteúdo para interlocução com
estudos, livro didático, abertura das escolas com possibilidade de uso de plataformas.
Outra é gerar material impresso e conseguir chegar ao aluno sem internet, fazer
chegar a possibilidade de interação entre professor e estudantes. O WhatsApp é
muito utilizado.”
Eles não têm condições de fazer aulas online. E se preocupam com o futuro
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