No final de 2017, um ônibus percorreu diversos pontos de São Paulo transportando uma surpresa: tão logo o veículo estacionava, uma animada trupe descia e, em um palco adaptado, apresentava uma série de canções natalinas para um público que, curioso, logo se acomodava para assistir. “Já na segunda canção, havia pessoas cantando e dançando”, relembra Zé Henrique de Paula, diretor daquele projeto intitulado Jingle Bus – Um Concerto de Natal.
Com a pandemia do novo coronavírus, um ônibus circula agora vazio pela cidade, apenas para anunciar a montagem que ocupa o Teatro Santander, para onde o espetáculo foi adaptado. Se antes eram 15 artistas, agora são seis em cena (além de quatro músicos), todos respeitando os protocolos de segurança, o que permite atuar e cantar sem máscaras – e, na plateia, apenas 40% da capacidade é ocupada no teatro, com lugares separados.
O objetivo do projeto, criado e produzido por Adriana Del Claro, continua sendo o mesmo: levar a essência do Natal e fazer as pessoas relembrarem o espírito dessa época do ano com simplicidade e alegria. “Mas agora a energia é específica para o momento, ou seja, celebrar a nossa volta e a do público ao teatro, depois de nove meses de isolamento social”, comenta Zé Henrique.
De fato, para o fã de musical, é emocionante retomar o que antes era uma prática comum, ou seja, acompanhar ao vivo uma apresentação cantada. O novo Jingle Bus foi adaptado para os tempos modernos pelo diretor e por Fernanda Maia, que assina a direção musical. Assim, as duas primeiras canções já esclarecem a intenção do espetáculo ao trazer um acalento com sua mensagem de esperança diante da pandemia: Ali (do maravilhoso grupo Barca dos Corações Partidos), com seu poderoso verso “Vai Passar”, e o clássico Stand By Me (Ben E. King) e seu acalentado refrão “Fique Comigo”.
“É uma forma de dar boas-vindas a quem teve coragem de sair de casa e ir até ao teatro”, observa Zé Henrique, lembrando dos diversos blocos que se seguem, como a homenagem aos musicais com assinatura Disney (como Mogli) ou os standards natalinos, como Jingle Bells, Hallelujah, White Christmas e Imagine, além de canções nacionais, como Papai Noel de Camiseta, de Ivan Lins.
O espetáculo não segue um roteiro tradicional, com as canções sendo interpretadas como em um show, mas os seis atores se apresentam com os próprios nomes e revelam momentos de ansiedade vividos durante a pandemia. “No dia de nossa viagem para Fortaleza, onde iniciaríamos a turnê de Chaves – Um Tributo Musical, fomos informados do fechamento dos teatros”, relembra Mateus Ribeiro que, em busca de uma pequena compensação, retorna ao personagem ao lado de Carol Costa, que viveu Chiquinha.
A paralisação cancelou sonhos e iniciou uma era de incertezas. “Pegos de surpresa com a ausência de trabalho, muitos artistas até pensaram em mudar de profissão”, argumenta Davi Tapias, que participa de um divertido número sobre a necessidade de se usar constantemente álcool em gel nas mãos – o tom educativo mira uma parcela do público jovem, para o qual o show é principalmente direcionado.
A precaução contra a covid, aliás, está em todas as fases da produção: os atores mantêm o distanciamento nos camarins e testes para detectar o vírus são feitos com constância. E, em cena, não há praticamente nenhum momento de contato, o que torna a coreografia criada por Gabriel Malo ainda mais desafiadora – a dança é, ainda assim, contagiante e criativa.
“O que antes a gente fazia com facilidade, agora é mais cansativo”, comenta Carol Costa, referindo-se ao peso imposto por tanto tempo sem atividade artística por conta do isolamento social. “O despreparo foi notado logo no início, quando o rendimento nos ensaios não era o mesmo de antes”, conta Zé Henrique.
Mesmo assim, as dores são ínfimas se comparadas ao prazer do seleto grupo em estar novamente em cena. “Estamos aqui homenageando os colegas que ainda esperam pela volta à normalidade”, comenta Gui Leal. “E também o público que tem vindo ao teatro, revelando seu amor pela arte”, completa Ettore Veríssimo.
Em uma das mais belas cenas do espetáculo, os atores sacam seus celulares e fazem uma chamada de vídeo para alguém querido – e a plateia é convidada a fazer o mesmo. “É um momento de amor, em que a tecnologia é usada a nosso favor para minimizar o isolamento”, constata Luci Salutes. “É quando cai a ficha sobre o que acontece hoje.”
Os ingressos para Jingle Bus são gratuitos e distribuídos para ONGs e instituições. Mesmo assim, alguns bilhetes são sorteados nas redes sociais do espetáculo, que terá sessões na segunda, 14, e na sexta, 18.