Da Redação
Em 2019, os brasileiros começaram a brincar com a casa conectada – com a ajuda dos assistentes de voz de Amazon e Google, dispositivos como lâmpadas inteligentes chegaram às lojas do País. Na última semana, em Las Vegas, nos Estados Unidos, durante a feira Consumer Electronics Show (CES), as gigantes de tecnologia mostraram dispositivos que apontam o próximo passo para as residências. Equipados com inteligência artificial (IA), os novos aparelhos não só respondem a comandos via internet, como ligar e desligar. Eles têm um “cérebro próprio”, capaz de tomar decisões para facilitar o dia a dia das pessoas.
A sul-coreana LG, por exemplo, exibiu uma nova máquina de lavar roupas inteligente. Graças a seu computador interno, munido de IA, o eletrodoméstico tem autonomia para controlar todo o processo de lavagem. Ao usuário, basta colocar as roupas, o sabão e o amaciante. Sozinha, a máquina usa algoritmos para identificar os tipos de tecidos, selecionar o modo de lavagem e até avisar o dono das roupas caso ele exagere na quantidade de sabão em pó.
Segundo especialistas, dar mais autonomia aos aparelhos é uma nova tendência, chamada de “inteligência das coisas”. É uma evolução da “internet das coisas” (conhecida pela sigla em inglês IoT), apelido dado à revolução que pretende conectar os objetos à nossa volta.
A “inteligência das coisas” também é uma aposta da Samsung. Nos EUA, a empresa mostrou o Ballie, um robô criado para ajudar na rotina doméstica. Ao andar pela casa, ele pode abrir a cortina pela manhã para ajudar no despertar do usuário ou ativar um robô que aspira o pó caso encontre poeira pela casa. “Ao aprender hábitos, os dispositivos com IA podem exercer funções que o consumidor já tem hoje”, diz Gustavo Assunção, vice-presidente de eletrônicos da Samsung Brasil, ao jornal O Estado de S. Paulo.
Outro destaque da Samsung é a nova versão da geladeira Family Hub. Munida de câmeras, a máquina pode reconhecer os alimentos guardados e sugerir receitas para a semana – deixando de lado ingredientes que desagradem a um dos membros da família. Já a chinesa TCL, conhecida por fabricar TVs, também lançou uma máquina de lavar inteligente, parecida com a da LG.
Fronteira
Para tomar decisões próprias, os dispositivos precisam de duas coisas: sensores para captar dados e processadores que possam interpretá-los. Essa segunda parte é crucial para que as informações sejam processadas no aparelho – e não na nuvem ou num servidor central, como se costuma fazer. É uma tendência que tem sido chamada de “computação embarcada” ou “computação nas bordas”.
Professor da USP, Renato Franzin explica que esses sistemas dão condições para que os aparelhos possam ter melhor desempenho e eficiência. “Ninguém melhor para cuidar do processo de lavagem de roupas do que a própria máquina de lavar”, afirma.
Segundo o professor, a inovação é uma consequência direta da tecnologia móvel. “Com PCs e smartphones, a indústria aprendeu a ter sistemas com bom desempenho em tamanho compacto – e hoje eles podem estar em vários lugares”, diz.
Na visão de Lisa Spelman, vice-presidente de IA da Intel, a computação nas bordas pode ajudar a ampliar o uso da tecnologia no cotidiano. “Sistemas de IA usam muitos dados. Quando eles são enviados para uma central de informações, perde-se velocidade e eficiência”, afirma. “Ter inteligência no produto final torna a experiência mais instantânea e rica para os consumidores.”
Outra vantagem é que sistemas de computação embarcada costumam controlar melhor o gasto de energia, sendo mais sustentáveis.
Além da rapidez, esses sistemas tendem a ser mais privados. É uma questão de design: como trafegam menor quantidade de dados, os dispositivos tendem a comprometer menor quantidade de informações do que aqueles que dependem da computação em nuvem ou de um servidor central. Mas há fragilidades: esses aparelhos também são suscetíveis a invasões – o que reforça a preocupação das empresas com segurança e criptografia das informações.
Popularização
Mas a “computação nas bordas” das residências ainda será para poucos. Primeiro, porque está restrita a algumas marcas. Na área da feira dedicada à casa conectada, com empresas tradicionais de eletrodomésticos, grande parte dos produtos ainda trazia como diferencial o fato de conseguirem funcionar conectados aos assistentes de voz de Google e Amazon.
“Inserir inteligência nos dispositivos tem um custo de pesquisa envolvido. As grandes marcas, como Samsung e LG, têm vantagem pela experiência que já tem com outros aparelhos”, afirma Norberto Alves Ferreira, gestor de soluções de Internet das Coisas e Inteligência Artificial do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento.
Além disso, são aparelhos de custo elevado e alto valor agregado Por mais que os preços de chips caiam ao longo dos anos, ainda é caro colocar um “minicomputador” dentro de um eletrodoméstico. A versão anterior da geladeira Family Hub, da Samsung, por exemplo, chegou ao País por R$ 25 mil no ano passado.
Procurada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a sul-coreana afirma que pretende lançar aqui o novo modelo.
A LG também quer trazer ao País os produtos anunciados em Las Vegas – segundo a diretora de marketing da empresa no Brasil, Bárbara Toscano, “há interesse dos brasileiros nessas tecnologias”. Conseguir pagar por elas, porém, é outra história.