A pandemia de covid-19 foi um baque para o mercado de escritórios em São Paulo – maior centro corporativo do País. No fim de junho, um quarto dos prédios comerciais estava sem locatário. No entanto, um alento surgiu nesse cenário difícil: empresas ligadas à tecnologia, muitas delas capitalizadas após rechear o caixa com rodadas de investimento ou aberturas de capital, estão em busca de mais espaço. Mesmo com o home office, algumas dessas companhias têm contratado tanta gente que estão precisando de escritórios novos – de preferência, nos melhores e mais caros endereços da capital paulista.
No momento, a PagSeguro, a Kavak, a Stone e a chinesa Shopee, entre outras, estão em busca de novos espaços, apurou o Estadão. Dentro dessa tendência, um movimento que agitou o mercado imobiliário veio do Facebook: o aluguel de um espaço de 20 mil metros quadrados em um novo prédio na Faria Lima – apesar de a empresa estar hoje em regime 100% remoto.
Além das empresas 100% “tech”, companhias mais tradicionais da indústria, como a SaintGobain, segundo fontes, estão buscando ampliar seus espaços para regiões mais centrais. No caso da multinacional francesa, isso reflete a expansão da área de inovação.
“Muitas empresas de tecnologia cresceram muito, e houve um aquecimento da busca por escritórios”, diz Mariana Hananina, diretora de pesquisa e inteligência de mercado da Newmark, consultoria especializada no setor corporativo. Esse movimento começou há 18 meses e continua até hoje. Na maior parte dos casos, essa procura por novos espaços se refere a uma demanda futura – uma vez que, por enquanto, o trabalho remoto domina as rotinas das grandes companhias.
Entre os exemplos de empresas de forte crescimento buscando escritórios está a 1m2, uma plataforma de venda de loteamentos. Aproveitando-se de um espaço que ficou vago próximo ao local onde mantinha seus escritórios, a startup decidiu mudar de endereço e ampliar seu espaço. “Crescemos em 50% o número de funcionários. Percebemos uma vacância muito grande e detectamos uma oportunidade”, diz o presidente da 1m2, Rodrigo Gordinho. A empresa espera encerrar este ano com um crescimento de vendas de 200%.
Apesar desse aquecimento entre empresas de tecnologia, os números do mercado imobiliário corporativo ainda mostram um elevado índice de vacância. Isso é reflexo da pandemia e também do aumento de lançamentos em São Paulo.
Segundo dados da Newmark, a taxa de espaços vazios na capital paulista atingiu 25,1% no fim de junho no mercado de prédios de alto padrão. No entanto, uma análise mostra um desempenho desigual entre as regiões. No Itaim, só há 1,4% de espaço livre. Na Faria Lima, a oferta está em cerca de 15%. Na contramão, a área próxima à Chucri Zaidan, na zona sul, tem mais de 35% de vacância.
Recorde de entregas
O que chama a atenção, diz a presidente da Newmark, Marina Cury, é que neste ano muitas outras obras serão entregues, chegando a um volume de aproximadamente 250 mil metros quadrados em lançamentos de lajes corporativas – um recorde. Ela lembra que essas decisões de investimento, que se refletem em novos edifícios entregues hoje, foram tomadas cinco anos atrás. Por isso, o estoque continuará subindo nos próximos anos: serão 63 mil m² em 2022 e mais 66 mil m² em 2023.
Segundo Caio Castro, sócio da gestora de fundos imobiliários RBR, que tem uma série de edifícios corporativos no portfólio, o mercado imobiliário tem passado, em um ano de pandemia, por situações distintas. Regiões como Faria Lima, Paulista e Pinheiros estão com o índice de vacância mais baixo – o que tem ajudado a manter o preço dos aluguéis em alta.
Já em outras áreas, caso da região da Chucri Zaidan e da Berrini, passam por um movimento oposto, principalmente por estarem longe de estações do metrô, segundo Castro. Para as empresas de tecnologia, a localização se tornou um trunfo na hora da contratação. O especialista afirma que, em áreas consideradas melhores, o funcionário se mostra mais disposto a abandonar o home office e voltar ao regime presencial.
A diretora na divisão de Escritórios da JLL, Yara Matsuyama, afirma que, apesar de a taxa de ocupação no segundo trimestre ter crescido em relação ao período anterior, o índice de absorção também cresceu, mostrando que houve um maior movimento de empresas montando ou ampliando escritórios.
“Agora vemos no horizonte uma vacinação em massa, e isso faz com que as empresas comecem a considerar um retorno”, afirma. Dentre os destaques, ela confirma a maior busca das empresas de tecnologia por espaços. Muitas startups têm procurado escritórios na região de Pinheiros, bairro que já atraiu a fintech Nubank, por exemplo.
Empresas optam por educar funcionários sobre a vacinação
A discussão em torno da volta aos escritórios ganha mais corpo com o avanço da vacinação. Porém, também cresce o debate a respeito de como as empresas podem cobrar dos funcionários a imunização para que a volta ao trabalho presencial seja segura para todos. A maior parte das companhias se posiciona de maneira mais educacional: querem convencer os seus trabalhadores da importância da vacinação.
A multinacional de tecnologia Intuit só irá retornar aos trabalhos presenciais quando 70% da população estiver completamente imunizada – ou seja, tenha tomado as duas doses necessárias. Mesmo assim, a companhia está apenas mandando comunicados e mensagens falando sobre vacinação para os funcionários.
“Nossa mentalidade é de não obrigar ninguém a fazer nada. Apoiamos que as pessoas se vacinem e facilitamos para que isso ocorra”, afirma Davi Viana, diretor geral da Intuit no Brasil, que tem mais de 100 colaboradores e está com a sede fechada desde o início da pandemia.
A startup Nuvemshop, que é um marketplace para pequenos e médios varejistas, vai seguir o mesmo caminho. Para Santiago Sosa, presidente da empresa que saiu de 100 pessoas para mais de 600 colaboradores (sendo 300 no Brasil) durante a pandemia, trata-se de uma escolha individual.
“A vacinação é bem importante, e vejo que a maioria vai se proteger para proteger o restante. Mas, como defendo as liberdades individuais, não vamos obrigar. Vamos apenas mostrar os vários benefícios que a vacinação tem”, afirma. Empresas como Ticket e Mercado Livre também seguem esse padrão.
Nos Estados Unidos, onde mais de 70% das pessoas com 12 anos ou mais já se vacinaram, mas que começa a sofrer com a proliferação da variante Delta, um grupo de empresas já determinou a obrigatoriedade da vacina para a equipe. Entre as companhias que podem demitir colaboradores sem vacina estão gigantes como Google, Netflix, McDonald’s, Uber, Apple e Facebook.
Tolerância zero
A Simpress quer seguir o mesmo caminho. De acordo com o presidente da companhia, Vittorio Danesi, trata-se de uma obrigação dos funcionários. Ele, que pretende que 100% da sua força de trabalho, de 1,9 mil pessoas, já esteja apta a trabalhar presencialmente no fim do ano, diz que será “tolerância zero” com quem não optar por tomar o imunizante.
“A regra é clara desde o início. A Simpress vai ter tolerância zero. O desejo individual não pode prevalecer à saúde do coletivo. Se a pessoa quiser ter um tratamento diferente da ciência e não tomar a vacina, será demitida”, afirma Danesi.
Juridicamente, os empregadores podem exigir que os funcionários tomem a vacina contra a covid-19. Como a vacinação é uma medida de proteção individual e coletiva ao mesmo tempo, o artigo 158 da CLT afirma que pode haver demissão de justa causa nesses casos.
“O empregador tem o dever legal de manter um ambiente sadio. A liberdade individual não é absoluta, pois o direito da coletividade se sobrepõe a ela. Entendo que, se existir a recusa do empregado (em vacinar-se) mesmo depois de a empresa fazer um informativo com viés educativo, isso poderá levar à demissão por justa causa”, afirma Leonardo Jubilut, do escritório Jubilut Advogados.
Empresas ‘tech’ se expandem
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