Instagram completa uma década com tamanho e problemas de gigante

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Em 2010, o americano Kevin Systrom e o brasileiro Mike Krieger eram apenas dois entre muitos jovens no Vale do Silício com uma ideia de aplicativo: o Burbn. Ele era cheio de funções: permitia achar restaurantes, postar fotos, planejar passeios e até convidar amigos para eles. Nem tudo fazia sucesso, mas os filtros para fotografias eram especialmente populares entre os usuários. Por isso, os dois decidiram focar em um app só de fotos – melhor ainda se fossem registros instantâneos do que o usuário fazia, captados com o celular. Dez anos depois, o tal aplicativo – o Instagram – fez mais do que só juntar imagens. Ele transformou a internet, a fotografia, a saúde mental de uma geração inteira e, com mais de 1 bilhão de usuários, se tornou um pilar fundamental da empresa que o comprou em 2012, o Facebook.

Lançado originalmente em 6 de outubro de 2010 como um aplicativo apenas para o iPhone, o Instagram deve parte de seu sucesso inicial a duas características. Uma é seu caráter puramente visual, numa época em que a maioria da internet ainda era movida a texto. A outra é a predileção pelos celulares – o app foi a primeira grande rede social a ser “mobile” e, até hoje, não permite que conteúdo seja inserido a partir de um computador. “Ter um celular na mão e fazer uma imagem era muito mais fácil e rápido do que fazer um texto de blog, articulado e cheio de links. Era um conteúdo diferente e instantâneo”, explica a professora Sandra Montardo, da Universidade Feevale.

Junto aos filtros, que embelezavam até as fotos tiradas com as ainda precárias câmeras dos celulares da época, as duas características chamaram a atenção de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. Em pouco tempo, o Instagram poderia virar um rival de peso para a rede. A preocupação fez Zuckerberg fazer uma oferta de US$ 1 bilhão pelo app – o valor ajudou a consagrar uma nova categoria de startup, até então rara: os unicórnios.

Com o dinheiro da rede social, o Instagram ganhou combustível e fôlego não só para ganhar usuários, mas também inúmeras funções, como vídeos, mensagens privadas e conexão com marcas e lojas. De ex-rival, passou a ser um cavalo de batalha do Facebook para combater ameaças, integrando funções de rivais como o Snapchat (mensagens efêmeras, com Stories) e o TikTok (vídeos curtos e de edição ágil, com os Reels).

A multiplicidade de formatos e a expertise da empresa-mãe transformaram a empresa numa máquina de faturar com publicidade, ampliando sua avaliação no mercado. “Hoje, avaliamos que cerca de um terço do valor do Facebook, em torno de US$ 250 milhões, seja do Instagram. Já seria um gigante se estivesse sozinho”, estima Guilherme Giserman, estrategista internacional da corretora XP Investimentos. Por outro lado, algumas das mudanças, feitas com mão de ferro por Zuckerberg, acabaram levando os fundadores Systrom e Krieger a encerrar suas contas, deixando a companhia.

Mais recentemente, a empresa aposta em inúmeros recursos para facilitar as compras dentro da plataforma – uma integração futura com o serviço de pagamentos da própria empresa, o Facebook Pay, pode transformar o Instagram em uma shopping center virtual. “O apelo visual do Instagram faz da plataforma um bom lugar para compras. Vamos investir nisso. Estamos vendo muitas empresas atingindo seus objetivos de negócios no Instagram”, diz Jim Squires, vice-presidente de negócios e mídia do Instagram, em entrevista ao Estadão. “Além disso, o comércio online teve um crescimento que foi acelerado pela pandemia.”

Vida feliz?

Outro fator que aumenta o valor do Instagram hoje é sua aura no mercado. Ao contrário do Facebook, do Twitter e também do WhatsApp que se tornaram berços de discussões políticas e palco para a desinformação, a rede social de fotos passa quase ilesa nesses dilemas modernos. “Um dos principais papéis que o Instagram desempenha dentro do Facebook é uma influência de marketing. É uma plataforma que parece estar politicamente neutra e menos associada a controvérsias”, diz Jay Wilson, vice-presidente de pesquisa da consultoria Gartner.

Dito assim, até pode parecer que a vida dentro do Instagram é quase perfeita. Quase mesmo: frequentemente, a rede social é considerada uma ameaça à saúde mental de seus usuários. Um estudo da britânica Royal Society for Public Health, feito em 2017, foi pioneiro a apontar que o app causa diversos efeitos negativos na vida de jovens, como problemas de sono, mudança da percepção da imagem corporal e o chamado “fomo” – acrônimo em inglês para um medo constante de ficar por fora do que acontece no mundo.

O aspecto visual, considerado um trunfo para atrair os usuários, contribui para o problema de saúde mental, diz a psicóloga Anna Lucia King. Ela faz parte do Instituto Delete, da UFRJ, que oferece atendimento gratuito à população para ajudar no uso consciente de tecnologia. “É uma sociedade de imagens em que você posta o modo como quer ser visto, não como é de verdade. Esse padrão, de como as coisas deveriam ser, influencia muito na vida dos jovens”, explica.

Frente a essas preocupações, o Instagram vem lançando alguns recursos para tentar deixar a plataforma mais saudável. No ano passado, a rede social começou a esconder o número de curtidas nas fotos, para diminuir a competição entre os usuários. O problema, porém, está longe de se resumir a isso: “Os próprios sistemas de recomendação com algoritmos mantêm as pessoas por mais tempo sem sair das plataformas, produzindo esse caráter viciante”, diz Sandra, da Feevale. “Em entrevistas, muitos dos desenvolvedores por trás desse tipo de sistema o descrevem como uma armadilha.” Parece sintomático – e é, ainda mais para algo cujos efeitos a longo prazo estão longe de ser descobertos.

À prova de tropeços

Garantir que a saúde mental do usuários esteja em dia mas mantê-los engajados com sua plataforma é apenas um dos muitos desafios que o Instagram terá em sua segunda década de existência. Não perder a atenção das pessoas para o rival TikTok é outra: só nos EUA, o aplicativo chinês de vídeos curtos tem 100 milhões de usuários ativos e já foi citado por Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, como uma pedra no sapato. É uma disputa importante: o TikTok é o rival mais sério a ameaçar o poder da companhia de Zuckerberg desde o próprio Instagram e sua natureza alegre e jovem bate de frente com a rede de fotos.

Ao lançar o Reels, o Instagram mostrou que está de olho no rival Segundo Squires, do Instagram, a estratégia da empresa para enfrentar o app chinês é seguir acompanhando as tendências: “O maior risco que temos como companhia é nos tornarmos irrelevantes. Por causa disso, precisamos acompanhar as necessidades da nossa comunidade e trazer sempre novas ferramentas para os usuários”, diz. Há, no entanto, quem veja a capacidade dos dois apps coexistirem – para Sandra, da Feevale, o TikTok se destinará ao entretenimento, enquanto o Instagram terá será usado para interagir com família e amigos.

Por outro lado, o acúmulo de serviços e a quantidade de mudanças no sistema para acomodar tudo também traz outro risco: pode confundir os usuários mais fiéis ao app, tornando o Instagram “chato” ou “desnecessário” – tal como as muitas funções presentes no antecessor Burbn.

Na visão dos especialistas, porém, a maior dor de cabeça para a rede nos próximos anos talvez seja o aspecto regulatório. Em julho, ao admitir perante o Congresso dos EUA que comprou o Instagram por vê-lo como um rival, Mark Zuckerberg recolocou sua empresa na mira de autoridades antitruste – a transação, aprovada em 2012, pode chegar a ser revista pelo governo americano por ferir as leis de concorrência do país sob essa nova ótica.

Pistas do que pode acontecer podem surgir nos próximos dias, com a divulgação do relatório do Congresso sobre a investigação feita pela casa quanto às gigantes de tecnologia. O que pode ser feito a partir daí, no entanto, é uma equação com diversas variáveis – incluindo o resultado nas urnas das próximas eleições nos EUA. Nos cenários mais extremos, há até quem imagine que as companhias do Facebook, como o Instagram e o WhatsApp, tenham de se separar da empresa-mãe, tal como a Standard Oil de Rockfeller há quase um século, em uma releitura inesperada do clichê de que “os dados são o novo petróleo”.

Mas há quem diga que, apesar de tudo isso, o Instagram possa seguir em frente sem grandes tropeços. “Quando se é um app de escala global e há muito estoque para fazer investimentos, é difícil ficar para trás. É uma posição privilegiada”, diz Giserman, da XP. Quem viver, verá – e postará, sem filtro, para a posteridade.

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