Na semana passada, Kamala Harris foi eleita a primeira vice-presidente negra dos Estados Unidos. Filha de pais imigrantes – mãe indiana-americana e pai jamaicano -, aos 56 anos, ela é atualmente senadora democrata pelo estado da Califórnia. Como companheira de chapa de Joe Biden, deverá ter posição de destaque no comando na maior potência mundial.
Guarulhos, a 3 dias das eleições municipais, também poderá ter pela primeira vez um vice-prefeito negro. Trata-se de Jesus Roque de Freitas, ou somente Professor Jesus, atual presidente da Câmara Municipal de Guarulhos, que concorre ao cargo pelo Republicanos na chapa do atual prefeito Guti (PSD).
Porém, diferente de Kamala, filha de pesquisadora de câncer e ativista de direitos civis, que se mudou aos 12 anos para o Canadá, depois do divórcio dos pais, Jesus, hoje com 49 anos, tem uma história de pobreza na infância, que acumula uma série de superações de obstáculos que, para muita gente, seriam intransponíveis. Um dos maiores problemas, conforme ele conta, foi a infância típica de um “preto e pobre”.
“Quem olhava aquele menino de 10 anos que trabalhava na feira, carregando caixas de verduras para levar comida para casa, no Jardim Presidente Dutra, jamais poderia acreditar que eu chegaria onde estou hoje. O preconceito e o racismo que eu e minha família sofríamos me deu força para hoje estar aqui”, diz. Jesus lembra que veio para Guarulhos com apenas 6 anos, depois da família ser desalojada de sua propriedade em Cardoso, no interior paulista para a construção de uma barragem.
Junto ao pai e a mãe, com mais quatro irmãos, foi morar em uma casinha de dois cômodos na última rua do Maria Dirce, quase no Presidente Dutra. Trabalhar na feira era a única saída para ajudar a família. “Trabalhava para levar comida para casa e 30 cruzeiros que eu dava para minha mãe”. Ele conta que já sofria com o preconceito. “Os brancos eram os donos das barracas. Os pretos como eu só serviam para carregar caixas”.
Jesus cresceu obstinado por vencer na vida. Nunca deixou de estudar. Formou-se no ensino médio e foi fazer Letras na FIG. Já no primeiro ano de curso, começou a lecionar Língua Portuguesa em escolas estaduais. Fez pós-graduação na mesma faculdade e deu aulas no Estado e também em colégios particulares até 2016, além na própria FIG. “Eu era um dos únicos professores negros. Dizem que o racismo não existe. Mas a gente sentia isso na pele. Muita gente não gostava de ter um professor preto”.
‘Ser taxado de pobre, político e preto serviu como estímulo para mim’
O candidato a vice-prefeito lembra de um episódio que marcou sua vida, já como político. Na disputa à Câmara Municipal, em 2008, foi à casa de um conhecido pedir votos. “Saí de lá chorando. A pessoa me disse que jamais votaria em mim porque eu era ´três pês’: pobre, político e preto. E ele não gostava de nenhuma das três coisas”, revela. Jesus afirma que isso serviu de estímulo para seguir na carreira política, depois de disputar duas eleições sem sucesso. Em 2004 e 2008 ele não se elegeu. Apenas em 2012, com quase 4500 votos chegou pela primeira vez à vereança. Em 2015, conquistou a presidência do Legislativo, cargo que ocupa hoje pela segunda vez após ser escolhido em 2019.
Professor Jesus acredita que a posição que ocupa hoje, como presidente da Câmara e como candidato a vice-prefeito, demonstra que ele construiu uma história de superação, que ajuda a sociedade a vencer seus preconceitos. “Acredito que apenas com a conscientização de que o racismo existe sim e que vamos superá-lo. Tivemos o presidente Barack Obama dos Estados Unidos, o primeiro negro da história a ocupar o posto, e agora Kamala Harris que deve ser a vice-presidente”, diz. “Poderiam dizer que a eleição de Obama foi exceção. Mas agora temos uma mulher e negra como vice-presidente. Isso demonstra que tem muita coisa mudando. Acredito que vamos mudar a cidade de Guarulhos também”, finalizou.