O cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado,
conhecido como Quino, e popular por ser o criador de Mafalda, morreu nesta
quarta-feira, 30, em Mendoza, sua cidade natal, aos 88 anos, confirmaram fontes
próximas ao artista.
Filho de espanhóis e possuidor de honrarias como
o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades e a Medalha da Ordem
e Letras da França, Quino desenvolveu as aventuras de sua personagem mais
popular entre 1964 e 1973, embora as histórias da icônica menina venham sendo
publicadas em todo o mundo até hoje.
Há alguns anos, o autor, que havia se mudado de
Buenos Aires para Mendoza no fim de 2017 após ficar viúvo, sofria problemas de
saúde, embora tenha continuado a participar de várias homenagens à sua obra.
Visionário
Desde Tirésias, a figura do profeta cego – que
não enxerga o mundo palpável, mas vê adiante – é um arquétipo presente em peso
na literatura ocidental. Pode-se dizer que num apartamento no Bairro Norte de
Buenos Aires e, mais recentemente, em Mendoza, vivia um descendente da longa
linhagem de Tirésias e Odin, um argentino que já não enxergava bem as pessoas e
as coisas, mas sempre viu muito além do que os demais: o quadrinista Quino.
Aos 88 anos, a figura de Quino já era frágil e
vacilante nas últimas aparições públicas, que iam rareando à medida que o
glaucoma avançava e lhe tirava a capacidade de fazer o que nascera para fazer:
desenhar. Desde 2009, ele se aposentou da atividade que o definiu durante meio
século, mas a potência de sua criação nunca cessou.
A comparação é comum, mas não muito válida:
Quino não é apenas uma versão “hermana” de Maurício de Sousa. Autor
das tiras que jovens de todas as idades tiveram de enfrentar em provas e
vestibulares, Quino nunca se absteve de enfrentar temas políticos ou polêmicos,
seja em seus quadrinhos mais infantis ou em seus cartuns mais ácidos.
Carreira
A carreira de Quino começou em 1950, desenhando
para publicidade e colaborando com algumas páginas de humor, mas sem grande
impacto e ouvindo muitos nãos.
Sua criação mais conhecida, Mafalda foi
concebida em 1963 para uma propaganda da linha de produtos Mansfield, da
metalúrgica Siam Di Tella. Os produtos nunca chegaram a ser comercializados e a
peça publicitária nunca saiu do papel. A personagem, no entanto, ganhou o mundo
e se tornou uma das mais ilustres dos quadrinhos.
A princípio, Quino ofereceu sua tira ao
jornal Clarín, que a recusou por se tratar de uma peça
publicitária. No entanto, a revista Primera Plana aceitou
lançar as tirinhas, caso o artista retirasse as menções aos produtos
anunciados. Em 29 de setembro de 1964, Mafalda ganhava as páginas pela primeira
vez. No ano seguinte, Quino passou a publicar a tira no jornal El Mundo e,
em 1968, no semanário Siete Días Ilustrados.
A inspiração para os traços veio dos cartunistas
americanos, especialmente Charles M. Schulz, criador do Snoopy. A comparação
com Snoopy e A Turma da Mônica, talvez as duas mais longevas tiras da imprensa
mundial, pode fazer parecer que Mafalda foi publicada por muitos anos. No
entanto, sua publicação cessou em 1973 e, desde então, Quino fez apenas algumas
tiras para ocasiões especiais.
Apesar de ter durado menos de uma década e ter
sido descontinuada há 47 anos, Mafalda conseguiu o que pouquíssimos cartuns
foram capazes: comentar no calor dos fatos o cenário político argentino e
mundial, e se manter atual e atemporal muitos anos depois.
Mafalda é presença comum até hoje em provas de
escola e vestibulares universitários. Embora ela e seus amigos Miguelito,
Manolito, Susanita e Felipe sejam apenas crianças, em vez de limitar as
temáticas do crescimento, da relação com os pais e da vida escolar, Quino
conseguiu inserir nesse ambiente infantojuvenil uma mordaz sátira do mundo
contemporâneo, observando assuntos delicados em plena guerra fria.
Direitos humanos, aquecimento global, ameaça
nuclear, instabilidade política… Tais temas não parecem tão adequados às
crianças, mas Quino soube como poucos cartunistas imiscuir seu comentário
social em meio aos carismáticos personagens que criou. Nas tiras de Quino, quem
diria, até mesmo o planeta Terra é um personagem, representado pela alegoria do
globo terrestre com quem a protagonista insiste em interagir, conversar e
desabafar.
Quino, criador de Mafalda, morre aos 88 anos na Argentina
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