A
dificuldade gera oportunidades. A criatividade de parte do setor de turismo
mostra que essa frase vai além de um chavão empresarial. A covid-19 tornou
proibitivo o ato de viajar – ao menos fisicamente. Que tal então viver o mundo
sem sair de casa?
Formado em Relações Internacionais, Alexandre
Disaro trabalhou por dez anos em comércio exterior, antes de deixar
Florianópolis em 2014 e virar fotógrafo em São Paulo. Sempre gostou de viajar e
de se embrenhar no contexto dos destinos, mas não tinha experiência em guiar
grupos ou planejar roteiros para viajantes. Tampouco pretende investir nisso
quando a pandemia passar. No entanto, diante da impossibilidade de fazer
turismo, terminou inventando o Viajar de Casa, já prestes a ganhar um braço para
o público de língua inglesa, o Let’s Travel from Home.
“Quando viajo, gosto muito de conversar com
pessoas. Vi as coisas acontecendo (na quarentena) por videochamada. Pensei que
podia apresentar essas pessoas”, conta o fotógrafo, explicando como surgiu
o projeto. “Assim, quem está lá no outro canto do mundo ganha alguma coisa
enquanto não recebe os viajantes, porque até ter vacina e todo mundo estar
vacinado vai demorar.” Ele promove encontros virtuais (entre R$ 150 e R$
200 por participante) com moradores dos lugares visitados. Por exemplo, com um
mestre tecelão de ikat, técnica do Usbequistão, ou com um marroquino mostrando
um kasbah, cidadela de barro murada.
Todas as experiências são em português . Quando
é necessária tradução, Disaro (fluente em inglês, espanhol, francês e japonês e
com nível intermediário de italiano e russo) serve de intérprete. “Sou só
um facilitador, o protagonista é sempre o personagem, a pessoa que está do
outro lado. Peço para fixarem na tela a imagem do anfitrião, que vai entregar a
cultura local ” Ele inaugura no fim do mês uma rota para o norte da
Itália, com a brasileira Adriana Veneza, que carrega no sobrenome o destino
sobre o qual fala no dia 26. Nos tours por cidades italianas (também há um por
Roma), as guias caminham mostrando as ruas ao vivo.
“Para mim, viajar não é só algo pontual. É
também o que antecede a viagem e o que vejo sobre o lugar na volta. Eu me
preparo por um ano para chegar ao destino com um alicerce”, explica o
fotógrafo, que busca proporcionar essa experiência de modo compacto no projeto
online. “Antes do ‘embarque’, envio uma brochura com fotos e textos. O
encontro dura de três horas e meia a quatro. Depois, compartilho conteúdos como
links de documentários e playlists.”
VIAGEM VIRTUAL COM CRIANÇAS
O cuidado para levar o viajante a essa imersão
ganha um detalhe a mais no caso de Clarissa Donda, especializada em receber
famílias na Inglaterra. “Eu já fazia tour para criança, educativo, e
queria manter essa linha”, diz a jornalista, que mora na Inglaterra desde
2014. Ela acaba de lançar a versão digital de tours do Dondeando por Londres.
“A ideia é fazer uma visita virtual pela Inglaterra de Shakespeare, da
rainha Elizabeth I, por exemplo. E chamo de visita porque não é palestra nem
aula”, explica. “Eu uso vídeos, fotos e um monte de recursos. Mostro
como era a Inglaterra naquela época, as navegações, o nascimento de uma
identidade inglesa.”
Assuntos como o Império Britânico e a Primeira
Guerra Mundial são indicados para crianças maiores ou adolescentes. Cada
roteiro temático custa 100 libras (cerca de R$ 680) por família,
independentemente do número de participantes, para uma hora de apresentação e
uma hora de perguntas.
Clarissa pretende manter o projeto online mesmo
quando os brasileiros voltarem a desembarcar correntemente em Londres.
“Apenas nas férias de janeiro e julho, de altíssima temporada, não consigo
fazer o virtual”, diz. A jornalista se preparou por quase dois anos para
se formar em guia de turismo. “A gente estuda todos os aspectos da Inglaterra:
história, leis, arquitetura, batalhas medievais, monarquia, construções, arte,
política”, conta Clarissa, que tem a certificação Blue Badge. É a mais
alta do Reino Unido, única que permite guiar dentro de pontos como o Castelo de
Windsor e o Palácio de Buckingham.
Há três anos e meio com a família em Barcelona,
Eder Rezende começou a atuar como guia seis meses depois de chegar à cidade.
Embora ofereça visitas também em inglês e espanhol, os brasileiros são seu
principal público. “De uma hora para outra, os turistas deixaram de vir,
então pensei ‘se não podem vir, tenho de inventar uma maneira de levar
Barcelona até eles’. Até onde pesquisei, não há outro tour virtual pela Sagrada
Família totalmente falado em português na internet”, diz o brasileiro, que
deu a volta ao mundo com a mulher, Fabiana Guimaro. Com ela mantém o blog
Quatro Cantos do Mundo – conhecem 57 países, embora ele dê “mais
importância às experiências do que à contagem”.
Sobre o tour virtual pela Sagrada Família, que
custa R$ 45, Rezende já contabiliza 120 vendas desde o lançamento, no fim de
junho. “Tem 26 minutos de audioguia. O viajante escuta minha voz como se
estivesse aqui e não precisa ler nada”, diz ele, que prepara um tour pelo
Park Güell ainda para este mês.
DESTINOS VARIADOS
A onda de tours virtuais foi um movimento
natural entre guias no Brasil também. Patrícia Ribeiro, à frente da agência
Passeios Baratos em São Paulo, começou em maio com um encontro online sobre
Vila Madalena e Pinheiros. Dos bairros paulistanos para outros temas no País
não demorou. Neste fim de semana, iniciou a oferta de exterior, com Chichén
Itzá, no México. No dia 26, há um tour sobre Amsterdã e Van Gogh.
“O guia é um freelancer, presta serviço
para várias agências. Quando comecei a fazer, já conhecia algumas pessoas, mas
foram se indicando e choveu guia”, conta. “Tive de organizar para ter
dia para todos. Faço na sexta, no sábado e no domingo.” Patrícia publica a
programação no Instagram @passeiosbaratosemsp – os preços são R$ 20 por pessoa
em destinos no Brasil e R$ 40 nos internacionais.
A apresentação é realizada por um guia
especializado no assunto. Patrícia cuida do planejamento e da logística. Cria
um grupo de WhatsApp e manda o link 15 minutos antes do horário marcado. Nos
destinos brasileiros, o guia monta uma apresentação com fotos e vídeos. “O
tour internacional vai depender do guia e de como está a situação na cidade. No
Brasil, eles não têm muitas condições de fazer isso ao vivo. Com a máscara,
ficaria complicado até de entender o que estão falando e os lugares estão
fechados”, diz.
Embarquei em um encontro online sobre Lina Bo
Bardi, comandando pelo guia italiano Rocco Belletti. Em português, a
apresentação incluiu curiosidades e informações sobre projetos, como o Museu de
Arte de São Paulo (Masp) e seus cavaletes de vidro, uma inovação da arquiteta
para a exibição dos quadros.
“Pretendo seguir com os tours virtuais
porque as pessoas estão pedindo e os passeios presenciais não vão voltar logo.
Também tenho muitos clientes que são do grupo de risco, 40% da terceira
idade.”, diz. “Vou levar isso em paralelo. É uma coisa para se
distrair, para relaxar”, diz Patrícia. Tenho de concordar. Terminei a
tarde de sábado com a cabeça arejada pelo universo de Lina.
Tour virtual temático e personalizado: a nova onda do turismo
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