“Estou
fumando muito mais na quarentena.” Esse foi o tipo de resposta que obtive
ao perguntar a algumas pessoas do meu círculo social mais próximo se o hábito
delas de fumar havia mudado nesse período. Com a pandemia do novo coronavírus,
quem pode ficar em casa se vê mais livre e com acesso mais fácil a uma tragada
ao mesmo tempo que a situação pode gerar gatilhos psicoemocionais que despertam
o desejo pelo cigarro.
O estudante Vinícius Buono, de 25 anos, afirma que tem permanecido em casa
desde o início da quarentena no Estado de São Paulo, em março, e sai apenas
para atividades essenciais. No caso dele, comprar cigarro é uma delas. Ele não
faz muita conta de quantos fuma por dia, mas estima que acaba com um maço em 24
horas, ou seja, 20 unidades. Às vezes, passa disso.
“Acho que com isso de ficar só em casa, às vezes você se vê sem nada para
fazer e pensa ‘ah, vou fumar’ e isso acontece com frequência”, diz o
jovem, que fuma desde os 17 anos. “Eu já fumava bastante antes, agora está
ainda pior.”
Vinícius acredita que, para ele, o aumento de cigarros fumados por dia tem mais
a ver com o “marasmo” da quarentena do que com um possível estresse
provocado pela pandemia. Talvez, essa seja uma exceção, porque estudos indicam
prejuízos à saúde mental durante o distanciamento social.
Uma revisão científica publicada na renomada revista The Lancet reuniu 24
artigos que falam do impacto psicológico da quarentena A maioria relatou
efeitos negativos, incluindo sintomas de estresse pós-traumático, confusão e
raiva. Entre os agentes estressores estavam duração da quarentena, medo da
infecção, frustração, tédio, perda financeira e estigma.
Para alguns fumantes, todas essas consequências podem ser gatilhos para acender
um cigarro. Por isso, a psicóloga Alessandra Gomes Jacinto faz uma ponderação.
“Em um momento em que você perde muitos prazeres, fumar acaba sendo um
prazer justificável”, diz. Mas isso não significa que fumar deixa de ser
prejudicial.
“O cigarro é responsável por 30% dos casos de câncer de pulmão”,
alerta William Nassib William Júnior, oncologista na BP – A Beneficência
Portuguesa de São Paulo. Segundo ele, “não existe nível de cigarro que
seja seguro para saúde”, ou seja, fumar um por dia é tão arriscado quanto
dez.
A preocupação com a saúde, e agora o medo do novo coronavírus, foi um dos
motivos que levaram a assessora de investimentos Camila Leão, de 29 anos, a
frear a quantidade de cigarros que fuma diariamente. Como a profissão dela
sempre a permitiu trabalhar de casa, ela diz que a quarentena não foi uma grande
questão – exceto que agora, em vez de sozinha, ela fica sempre na companhia do
marido e dos três filhos.
Porém, o isolamento mais rígido teve certo impacto para ela. “Eu não fumo
dentro de casa por causa dos meus filhos, então isso também me ajudou a reduzir,
já que moro em apartamento e toda vez que tenho de fumar tenho de descer até o
estacionamento”, explica Camila, que também diminuiu as descidas para
fumar devido ao risco de contaminação.
A empatia foi outro fator que influenciou o plano que a assessora de
investimentos já tinha de reduzir e depois parar de fumar, hábito que ela
mantém desde os 14 anos de idade. “Com o vírus, comecei a me sentir mal
fumando enquanto tantas pessoas estavam nos hospitais sem conseguir respirar
direito.”
De 20 cigarros por dia, Camila passou a cinco. Isso já tem um mês. Além disso,
ela tem controlado os gatilhos que a levam a fumar, como ansiedade e compulsão
alimentar. “A questão da ociosidade da quarentena faz com que a gente
queira fumar mais, então também comecei um tratamento contra ansiedade e tem me
ajudado bastante”, conta.
Independente da situação em que uma pessoa que fuma está vivendo nesta
quarentena, a psicóloga afirma que a mudança repentina da rotina tem grande
interferência na vida e no emocional. Embora essa reclusão maior também possa
servir como um momento de mais atenção à saúde, parar nem sempre é fácil.
“A mudança causa muita ansiedade e a abstinência [ao ficar sem cigarro]
tem muitos sintomas negativos e é isso que faz com que a pessoa não consiga
parar”, explica Alessandra, que atua no Núcleo de Apoio à Saúde da Família
da UBS Jardim Coimbra, administrada pelo Cejam, onde faz parte da equipe que
trata pessoas que querem parar de fumar. Interromper o hábito definitivamente
ou por alguns dias pode levar ao aumento da ansiedade, irritabilidade,
sentimento de tristeza, tontura, dor de cabeça e falta de concentração, diz a
especialista.
Cigarro e o novo coronavírus
Em meados de abril, foi publicado um artigo indicando que a nicotina teria um
papel protetor contra o novo coronavírus. A pesquisa foi questionada por
especialistas devido à fragilidade científica e o oncologista William Júnior
reforça o risco da covid-19 para os fumantes. “A maioria das evidências
apontam que quem faz uso de cigarro tem maiores causas de doença
cardiovascular, hipertensão, e esses fatores de risco estão associadas à
evolução pior do paciente que se infecta”, diz.
O médico se preocupa com o fato de que, além de colocar em risco a própria
saúde, uma pessoa que fuma, mora com outras pessoas e aumentou o hábito na
quarentena está colocando os demais em risco também. Outro problema que ele
aponta é que, por medo do vírus, muitos fumantes deixaram de fazer
acompanhamento médico regular, o que pode comprometer o tratamento de quem tem
câncer de pulmão, por exemplo.
“Hospitais têm colocado medidas para prevenir [o contágio]. Os pacientes
devem continuar fazendo acompanhamentos e se estão pensando em diminuir, isso
não pode ser feito sem discussão com equipe médica”, orienta William
Júnior. Do ponto de vista da oncologia, ele teme também que o possível aumento
do hábito de fumar eleve as chances de desenvolver câncer, não só de pulmão,
mas de bexiga e rim.
Para quem já tem algum tumor, o oncologista diz que a covid-19 não faz piorar o
quadro, mas estudos recentes indicam que, entre esse público, aqueles com
câncer de pulmão e hematológico tem risco maior de morrer pelo novo
coronavírus.
Dicas para conter o hábito de fumar na
quarentena
Para algumas pessoas como o estudante Vinícius, pode ser “impossível”
parar de fumar, ainda mais nesse período de isolamento social. “Eu já
cogitei parar de fumar nessa quarentena justamente porque estou fumando demais,
mas não dá. Ficar sem o cigarrinho depois das refeições é impossível”, diz
ele.
Apesar de todas as dificuldades que o hábito impõe para quem quer deixá-lo, uma
vez que o vício provoca alterações químicas no cérebro que levam à busca por
cigarro, é possível adotar estratégias para contê-lo. Neste Dia Mundial Sem
Tabaco, lembrado em todo 31 de maio, os especialistas ouvidos pelo E+ e a
Camila, que conseguiu mudar o hábito, dão sugestões que podem ajudar.
“Buscar apoio profissional, de maneira remota, ajuda muito a parar de
fumar e o apoio não profissional também. Você se apoiar nos seus familiares,
nos amigos é extremamente importante, se não para parar, mas para não
aumentar”, diz William Júnior. Outra recomendação dele é eliminar os
gatilhos: higienizar roupas com cheiro de fumo, evitar alimentos e bebidas que
despertam o desejo pelo cigarro.
A psicóloga Alessandra indica trabalhar o nível de estresse. Praticar atividade
física, caminhando dentro de casa ou fazendo alongamentos, aumenta a produção
de serotonina, hormônio que traz sensação de prazer e desvia da vontade de
fumar. Diminuir açúcar, café, álcool e sal também é bom para evitar picos de
estresse. Ela sugere apostar também nas terapias de relaxamento e evitar ter o
controle de tudo, o que vai gerar desgaste emocional.
Camila, que há um mês conseguiu reduzir o número de cigarros fumados por dia,
sugere que as pessoas não pensem no cigarro como única válvula de escape.
“Um copo de água ajuda, ver um vídeo na internet e falar que vai fumar
depois ajuda, deixar para amanhã ajuda”, diz. Se, mesmo assim, for muito
difícil, o ideal é procurar ajuda profissional.
Atendimento profissional para fumantes
O Sistema Único de Saúde disponibiliza grupos de apoio e tratamento gratuito
para os dependentes do cigarro. Na cidade de São Paulo, os serviços são
oferecidos nas Unidades Básicas de Saúde e nos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS). Em todo o Estado, o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras
Drogas (Cratod) também dispõe de atendimento em diferentes unidades. Confira a
lista em cada região aqui.
Devido à pandemia do novo coronavírus, os encontros presenciais em grupo foram
cancelados. Porém, a Prefeitura de São Paulo afirmou, em nota, que mantém a
continuidade dos serviços assistenciais, como o CAPS Adulto, com suporte às
pessoas que tenham quadros graves e que estão em tratamento terapêutico em
progresso.
“O Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) foi reorganizado com
o objetivo de reduzir o risco de contaminação do vírus e manter o cuidado com o
paciente, considerando a gravidade da pandemia e as complicações respiratórias,
que podem ser fatais, se somadas aos danos causados pelo tabagismo”, diz a
gestão.
Para quem já fazia tratamento individual ou em grupo, foi garantida a entrega
de medicação para o período necessário. Além disso, pela necessidade de
distanciamento social, a Prefeitura afirma que as orientações terapêuticas
foram mantidas por meio de aplicativos de mensagens e ligação.
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