Rosana Ibanez – Diretora de Redação
“Ele me pegava pelo pescoço e me batia. Me ameaçava dizendo que ia colocar fogo na casa. Me dava tapas. Me bateu com cabo de vassoura. Segurava os meus cabelos e batia a minha cabeça com toda a força na parede. Minha filha pequena gritava ‘pai não bate na minha mãe não’. Eu saí de casa apenas com a roupa que estava vestindo. Ele dizia que se eu procurasse a polícia ele ia me matar e enterrar meu corpo no quintal de casa. O que ele sentia não era amor, era possessão. Muitos me diziam que eu casei no papel então tinha que suportar aquele relacionamento. Hoje eu digo que não sou uma guerreira, eu sou vencedora porque eu venci esse relacionamento e reconstruí a minha vida”.
O relato acima demonstra uma situação que é realidade em muitos lares pelo mundo afora. Diariamente as mulheres são vítimas das mais variadas formas de agressões físicas e psicológicas. A Folha Metropolitana conversou com algumas mulheres e traz nesta edição as histórias que, com lágrimas nos olhos, elas revelaram de dor, sofrimento, desrespeito, revolta, impunidade, mas, acima de tudo, a superação e o retorno à vida.
Em todos os casos a ajuda do poder público – através dos programas oferecidos pela Prefeitura de Guarulhos – e das forças de segurança foram determinantes para que a realidade fosse outra e não terminasse em um feminicídio, crime que também vem apresentando crescimento no país. A reportagem não revelará os nomes das mulheres ouvidas.
Guarulhos somou 5.716 boletins de ocorrência, 788 julgamentos pela Lei Maria da Penha e 368 medidas protetivas solicitadas em 2019
Diversos órgãos de Guarulhos refletem o volume de denúncias e ações de violência contra a mulher e revelaram altos índices no ano passado.
Somente as medidas protetivas solicitadas chegaram a 368 em 2019, revelando uma queda considerável em relação ao ano anterior quando foram 524. Nos últimos sete anos, foram solicitadas 2.576 medidas do tipo no município. Em todo o estado, em igual período, foram 316.092 pedidos.
Já o foro de Guarulhos contabilizou 774 julgamentos baseados na Lei Maria da Penha em 2019. No ano anterior foram 774. Os índices de violência contra a mulher também podem ser medidos a partir da quantidade de boletins de ocorrência registrados na cidade. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública obtidos pela Folha Metropolitana através da Lei de Acesso à Informação, em 2018 foram contabilizados 5.629 boletins contra 5.716 no ano passado – representando um crescimento de 1,5%.
Patrulha Maria da Penha realizou 4,2 mil visitas no ano passado
O serviço da Patrulha Maria da Penha da Guarda Civil Municipal (CGM) de Guarulhos teve início em novembro de 2018, quando passou a acompanhar nove vítimas de violência doméstica. Naquele ano 245 visitas monitoras foram feitas pela equipe. A GCM faz o acompanhamento das vítimas em suas moradias, nos casos em que há a medida judicial protetiva que proíbe o agressor de se aproximar da vítima.
No ano de 2019, foram realizadas 4.288 visitas monitoradas com 48 atendimentos e sete prisões em flagrante por descumprimento de medida protetiva, que é a imposição judicial para que o autor não se aproxime da vítima e, descumprida, é crime. Atualmente, no total, já são 52 vítimas atendidas por visitas monitoradas. As visitas são feitas com base nas indicações do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, pelo Ministério Público e pelas Casas das Rosas, Margarida e Beths.
No comando da Patrulha Maria da Penha, está a gestora Darcy Maria Feitosa dos Santos. “Estou à frente desse trabalho que cresce a cada dia. Além de elevar o nome da corporação com o comprometimento com o serviço, há a responsabilidade e dedicação de toda a equipe que faz parte da Inspetoria e faz o melhor para atender todas as mulheres que foram vítimas de pessoas que não têm amor ao próximo e que tratam as mulheres como se fossem um objeto. Nós vivemos numa sociedade violenta, onde trabalhamos tanto e não vemos a diminuição da violência porque o machismo ainda impera”, afirmou.
Segundo ela, o trabalho humanitário também traz acolhimento às mulheres que estão fragilizadas e, em muitos casos, depressivas. “O que eu recomendo para as mulheres que estão passando por problemas de violência doméstica e familiar é que não se calem, peçam ajuda ou contem para alguém o seu problema pois sempre tem alguma pessoa que vai te estender a mão”, disse.
Procuradoria da Mulher na Câmara também auxilia no combate
A Câmara Municipal também faz parte no combate a violência contra a mulher, através da Procuradoria Especial da Mulher que é formada pelas vereadoras Carol Ribeiro (MDB), Sandra Gileno (PSL), Genilda Bernardes (PT) e Janete Pietá (PT). O grupo se reúne todas as terças-feiras, às 12h.
Dentre as atribuições da procuradoria está “zelar pela participação mais efetiva das vereadoras nos órgãos e nas atividades da Câmara e ainda receber, examinar e encaminhar aos órgãos competentes denúncias de violência e discriminação contra a mulher”. No entanto, a procura ainda é baixa. No ano passado, foram realizados 11 atendimentos, contra 19 em 2018 e 12 em 2017.
Todos os atendimentos são encaminhados para os mais diversos órgãos como Delegacia da Mulher; Defensoria Pública; Coordenadoria de Políticas para as Mulheres; Casa de Passagem; secretarias do Trabalho, da Educação e de Habitação; Patrulha Maria da Penha; Casas Rosas Margaridas e Beths, ou conforme a necessidade apresentada, em outros órgãos também.
Município apresenta diminuição no registro de casos de estupro em 2019
Da Redação
De acordo com as informações apresentadas no Mapa da Violência Doméstica 2019, documento lançado nesta sexta-feira (06) pela Prefeitura de Guarulhos, o número de registros de casos de estupro na cidade diminuiu em 2019 em relação ao ano anterior. No ano passado foram feitos 336 boletins de ocorrência denunciando a prática de sexo sem consentimento, enquanto que em 2018 houve 352 casos, uma queda de aproximadamente 5%. Destes registros, 55 foram feitos no bairro do Pimentas e 26 em Bonsucesso e em Cumbica.
O documento também mostra que esses são os três bairros que apresentam maior índice de denúncias de violência contra a mulher. No Pimentas, 930 boletins foram feitos envolvendo lesão corporal, ameaças, homicídios, estupros, violação de domicílio e outros crimes contra a dignidade humana. Os bairros Bonsucesso e Cumbica apareceram em segundo e terceiro lugar, ambos com 560 ocorrências cada.
Já os casos de homicídio apresentaram uma diminuição de cerca de 20%, já que em 2018 foram registrados 102 e, em 2019, 80.
Entre os crimes mais cometidos contra mulheres na cidade em 2019 estão ameaçar, aliciar, assediar, instigar ou constranger, com 3.101 casos registrados.
Os números, obtidos no Registro Digital de Ocorrências (RDO) da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, ainda que não representem a realidade da violência doméstica porque muitas vezes a vítima não formaliza a denúncia, são um norteador para as ações da Subsecretaria de Políticas para Mulheres de Guarulhos e outras organizações que atuam na luta contra a violência doméstica.
Quase 5 mil mulheres foram atendidas pelos programas da prefeitura
Um total de 4.745 mulheres foram atendidas através dos programas oferecidos pela prefeitura. Na Casa das Rosas, Margaridas e Beths foram 1.805 atendimentos realizados em 2019, contra 1.809 no ano anterior. Já no projeto “E eu com isso?” foram 2.940 pessoas em 2019 contra 857 em 2018.
O projeto “E eu com isso?” tem levado às empresas, escolas e instituições, um diálogo sobre a violência doméstica contra a mulher com a proposta de sensibilização da sociedade e reflexão sobre as causas da violência, dados estatísticos e as formas de contribuição para inibir a incidência dos casos.
Além disso, a prefeitura também realiza a PVDESF (Prevenção da Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família – Lei Municipal 7.600/2017). Trata-se de um convênio assinado entre Ministério Público e o governo municipal, através da Subsecretaria de Política para as Mulheres e a Secretaria de Saúde, para a capacitação das Agentes Comunitárias de Saúde e orientação quanto à distribuição de 42 mil cartilhas nos setores de atuação das mesmas.
Atualmente, a pasta conta com psicólogos, assistentes sociais, advogados e professores. Além disso, oferece cursos de qualificação visando a autossuficiência financeira das mulheres. Entre os cursos oferecidos estão artesanato, pintura em pano de prato, costura e conserto e aulas de violão.
Onde procurar ajuda?
A Prefeitura de Guarulhos, por meio da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres, oferece às vítimas de violência doméstica diversos tipos de atendimento, todos com início na Casa das Rosas, Margaridas e Beths, que é o Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica. O local atende mulheres entre 18 e 60 anos e tem como objetivo promover a igualdade de gênero, contribuindo para o empoderamento da mulher para que consigam romper com o ciclo de violência. O Centro de Referência fica na rua Paulo José Bazzani, 47 – Macedo, e funciona de segunda-feira à sexta-feira, das 7h às 19h.
Assim que a mulher chega ao local, recebe atendimento psicossocial para que possa ter forças para sair da situação de violência em que vive, sendo elaborado um plano personalizado de atendimento, já que cada vítima sofre um tipo de violência e tem uma história. Além disso, a casa também encaminha as mulheres para aos serviços assistenciais adequados e oferece orientação jurídica, que pode, inclusive, encaminhar a mulher para a Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad), Defensoria Pública ou/e Delegacia de Defesa da Mulher.
Denúncias também podem ser feitas através dos números 180, 2087-3013, 2475-9444 ou 153.
Delegacia da Mulher solicitou 65 medidas protetivas neste ano
Outro local onde as mulheres que sofrem de violência podem procurar ajuda e na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, somente no primeiro bimestre do ano, foram registrados 329 boletins de ocorrência, instaurados 181 inquéritos e solicitadas 65 medidas protetivas à Justiça.
Segundo a pasta, estudos estão em andamento para ampliar o horário de atendimento da unidade, já que atualmente ela funciona em horário comercial.
Depoimentos
“Ele bebia muito e também era usuário de drogas. Tudo era motivo para brigarmos e ele começava a gritar e me xingar. Eu tinha que adivinhar como deixar o mundo dele perfeito. Ele saía na quinta-feira para beber e só voltava para casa no domingo, quando as agressões começavam. Eu entrei em desespero e depressão. Não via uma luz no fim do túnel. Ele me ameaçava constantemente dizendo que ia me matar. Também me dava várias ideias para que eu me suicidasse. Um dia ele chegou alterado. Eu pude ver a morte nos olhos dele. Ele me bateu muito e eu gritava, mas quem ia me escutar? Dizia que se eu ligasse para a polícia ele ia me matar. Eu fui salva por muito pouco. E, naquele dia, decidi que tinha que mudar a minha história”.
“Ele me batia por estar embriagado e drogado. Eu trabalhava para consertar as coisas que ele quebrava e sustentava a nossa casa. Eu procurei ajuda nas delegacias, mas não fui ouvida. Uma noite ele chegou bêbado e drogado e começou a discutir. Ele me bateu e agrediu o nosso filho. Eu tentei protegê-lo, mas ele me jogou no chão e me espancou. Um ditado diz que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’. Pode ter morte, mas ninguém vai se envolver. E foi assim que eu gritava por ajuda e ninguém me ajudou. A polícia, muitas vezes, acha que a mulher não quer se separar. Quando ele me agredia, ele usava o nosso filho como escudo, então eu não tinha como me defender, para não colocar a vida dele em risco”.
“Começou com uma agressão psicológica. Eu achava que era amor, mas com o tempo foi ficando mais abusivo e percebi que ele tinha um desejo de posse sobre mim. Começou com empurrões e depois com beliscões nos braços e sempre que eu o questionava, ele pedia desculpas e dizia que me amava e não faria mais essas coisas, mas esse comportamento só piorou, pois ele era convicto de que existia impunidade, que poderia fazer qualquer coisa comigo e que nada o afetaria. Quando começaram as ameaças e as perseguições decidi procurar a justiça e, infelizmente, não obtive o amparo necessário. Por minha sorte, ele acabou desencanando e parou de me procurar e de me perseguir”.
“No começo era um amor de pessoa, mas com o tempo fui observando que quando ele bebia um pouco mais, se transformava em outra pessoa e ficava extremamente violento, ofensivo, gritava comigo, falava alto, era ciumento e reclamava que não gostava das minhas amigas. No começo tentei relevar, mas num aniversário de uma pessoa querida, depois de beber um copo, ele simplesmente se transformou e começou a me perturbar ali mesmo, a reclamar de tudo e a ficar com muito ciúmes e do nada me deu uma cabeçada na frente de todo mundo. Mesmo assim ainda continuei com ele, e com o tempo fui desenvolvendo muito medo, tinha medo até de me separar. Graças ao apoio total da minha família, eu consegui sair desta relação abusiva”.
“Durante o nosso namoro ele demonstrava ser carinhoso, educado e simples até que resolvemos casar e foi aí que descobri quem ele era de verdade. Ele queria ter filhos e eu estudar Direito e aí começaram os desentendimentos e desavenças. Um dia quando cheguei em casa ele tinha mudado a fechadura da porta para não entrar porque tinha dito que se eu saísse para trabalhar não precisava mais voltar. Desacreditei nisso mas vi o quanto ele estava alterado por conta disso. Depois de muito insistir para conversarmos, ele abriu a porta e quase não reconheci aquele homem calmo, simples, amoroso, foi tudo muito surreal para mim ele me apertou com força e ficou marcado para sempre. Divorciei, acabei meus estudos e nunca mais quis saber de parceiro ciumento, inseguro, violento e instável”.
“Sofri violência doméstica durante quase 8 anos. Um ciclo muito perigoso que pude experimentar as violências, físicas, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Em 2009 eu conheci o Centro de Referência a Mulheres Vítimas de violências, a Casa das Rosas, Margaridas e Beths através de uma ligação ao 180 num momento de desespero e fui orientada a procurar o Cras e lá fui direcionada. Foi assim que rompi com o ciclo de violência doméstica por meio da medida protetiva, passando por um processo delicado e humanizado de atendimento que fez muita diferença. Passei a entender a importância das políticas públicas e sociais nas realidades das mulheres, a compreender que é diferente o olhar de uma mulher para a vida social quando ela é atendida por uma política pública seja ela qual for”.